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7 de maio de 2019 | Morad

A conduta desarrazoada e a caracterização do dano moral

caracterização do dano moral
caracterização do dano moral

Um cliente, recentemente, foi impedido de entrar em uma agência bancária pelo simples fato de estar… descalço!

Ora, se fosse um admirador da obra do brilhante escritor britânico Tolkien, que, inspirado no célebre livro O Senhor dos Anéis, tivesse resolvido se vestir tal qual o emblemático e descalçado personagem Frodo; ou, então, um descendente dos temíveis Blackfeet, que, inspirado por algum ancestral divino, tivesse resolvido, naquela hora, honrar essa tribo indígena que povoou as planícies do oeste estadunidense a partir dos século XIX; ou até mesmo um naturista que, saudoso das belezas naturais — todas elas, com o perdão da sutileza — da Praia do Abricó, no Rio de Janeiro, tivesse, num desvairado rompante, desnudado os respectivos pés… seria até certo modo compreensível. E a razão disso é simples, afinal, como saber se esse fã da Terra Média não tinha escondido em seus bolsos um anel mágico, daqueles que tornam o portador invisível, e nessa condição, começasse a fazer estripulias dentro da agência bancária; ou, então, como saber se esse descendente indígena não iria começar a dançar uma contagiante dança guerreira, ou se esse naturista, empolgado com a liberdade pediosa, não iria se livrar de algumas outras pecinhas de seu vestuário, de modo a corar até mesmo as artistas da saudosa e pitoresca boate Kilt em São Paulo?

Mas a história que ocorreu com esse cliente foi mais absurda ainda. Segundo consta, a estrutura metálica dos respectivos calçados o impediam de passar incólume pelo detector de metais e, por conta disso, bem como por necessitar realizar transações bancárias nessa agência, resolveu desvencilhar-se dos sapatos para, assim, poder entrar sem maiores problemas nesse estabelecimento bancário. Mas, para surpresa dele, o respectivo acesso foi barrado pelo segurança dessa agência, sob a alegação de que ele estava… descalço. Isso mesmo: descalço!

Esse cliente, inconformado com a conduta obtusa do segurança — que provavelmente devia ser um fã de carteirinha do inflexível personagem de Victor Hugo, Javert — e com a passividade omissa da gerência, que nada fez, buscou reparação judicial pelos transtornos por ele sofridos e daí decorrentes.

O Poder Judiciário, sensível à falta de razoabilidade da agência bancária no episódio em questão, houve por bem condenar o respectivo banco ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos pelo infeliz cliente. Segundo o magistrado que apreciou essa questão, o preciosismo discriminatório e ilegal da agência bancária expôs o cliente a uma situação ridícula, sujeitando-o a incômodos e constrangimentos que ultrapassam os meros dissabores do cotidiano (cf. TJ-SC, processo nº 03084480-42.2018.8.24.0090).

A esse respeito, impõe-se ressaltar que os meros contratempos, desconfortos ou aborrecimentos, não são passíveis de caracterizar a ocorrência de um dano moral. A dor — subjetiva — passível de ser indenizada é aquela que extrapola o mero aborrecimento e o dissabor. É aquela dor que vem do íntimo, do fundo da alma, que enseja sofrimento capaz de interferir no equilíbrio emocional e no bem-estar de quem a experimenta.

É evidente que a falta de razoabilidade da agência bancária, no caso em questão, ao impedir o seu cliente de entrar nas respectivas dependências, nas circunstâncias apontadas, causou ao mencionado cliente transtorno que foi muito além daquilo que poderia ser considerado suportável, ou seja, um mero dissabor. Além de tê-lo impedido, sem motivo plausível, tampouco justificável, de realizar as operações bancárias que necessitava, o expôs a uma situação rocambolesca e ridícula, de modo a causar-lhe sofrimento e dor.

Tal situação, extremamente desarrazoada, ao se distanciar do mero contratempo ou do simples desgosto cotidiano, afetou nocivamente o equilíbrio e o bem estar de quem apenas queria se utilizar de serviços bancários, de modo a caracterizar, inequivocamente, dano de ordem moral, passível de ser indenizado, tal como ocorreu no caso ora mencionado.

Embora caiba recurso, dificilmente a decisão de primeira instância — favorável ao cliente lesado — será reformada nas instâncias superiores.

José Ricardo Armentano

Advogado no Escritório Morad Advocacia Empresarial

 

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