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5 de abril de 2019 | Morad

A mentira e o direito à ampla defesa!

direito a ampla defesa

A pior mentira é aquela que tem um fundo de verdade e o pior mentiroso é aquele que acredita na própria mentira! Aliás, é o que bem diz a sabedoria popular!

Apesar de ser ética e moralmente reprovável, a mentira, por si só, não é considerada um crime pelo nosso Código Penal. Ela somente adquire essa feição quando assume a condição de elemento caracterizador de condutas tipificadas na legislação penal, tais como as fraudes, as falsidades, as imputações caluniosas de crime, dentre outras.

E é justamente no âmbito do Direito Penal que essa questão adquire certa aura de incerteza, principalmente quando a mentira é empregada como meio de autodefesa em processos criminais. É muito comum um réu, por exemplo, negar a autoria de um crime, mesmo que as evidências sejam inequivocamente em sentido contrário.

Essa incerteza, certamente, tem nascedouro no princípio constitucional da ampla defesa, segundo o qual todo o acusado tem o direito de se defender amplamente.

Mas será que a “amplitude” prevista nesse princípio constitucional é, de fato, tão ampla e ilimitada, de modo a abranger, inclusive, a mentira?

Pois é! Tal questão nos remete ao emblemático caso envolvendo o — facínora e terrorista para uns, perseguido político para outros — Cesare Battisti, que recentemente confessou perante as autoridades italianas a respectiva participação em quatro homicídios e em diversos furtos e roubos praticados na Itália, durante o período conhecido como “anos de chumbo”, situado entre as décadas de 60 e 80.

Trata-se, sem dúvida, de um caso surpreendente, na medida em que Battisti, embora tenha sido condenado em 1993 à prisão perpétua pela justiça italiana por conta desses homicídios, sempre jurou inocência! E foi justamente com base nessa narrativa de inocência que Battisti conseguiu angariar, durante a sua permanência no Brasil, a simpatia dos governos petistas, que o “blindaram”, por longos anos, dos rigores da justiça italiana. Vale dizer que esse controvertido personagem se valeu, em benefício próprio, de uma deslavada mentira para se eximir da respectiva dívida perante a justiça italiana.

Mas, voltando à indagação inicial, um acusado ou mesmo esse tal de Battisti têm o direito de mentir sob a justificativa de estarem apenas exercitando o direito — amplo, segundo a Constituição — de defesa?

E a resposta para tal indagação é bem simples: é claro que não! O direito brasileiro não consagra o direito à mentira!

A verdade sempre deve ser dita em juízo. Nada impede um acusado, contudo, de se recusar terminantemente a fornecer dados, informações ou até mesmo elementos que porventura possam lhe prejudicar no curso de uma ação penal. Não se trata de um comportamento ilegal, tampouco passível de censura, já que o próprio texto constitucional consagra o princípio segundo o qual ninguém está obrigado a fornecer prova contra si mesmo.

Então quer dizer que o tal do Battisti, ao mentir descaradamente para as autoridades brasileiras, mediante a cândida afirmação de que não praticou os crimes que lhe foram imputados pela justiça italiana, nada mais fez do que exercer uma garantia constitucional?

Pois é! Por mais revoltante que possa ser, a resposta para essa indagação é afirmativa. E isso porque o próprio artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, nessas circunstâncias, assegura o direito ao silêncio. Conforme bem elucida o Ministro Celso de Mello em caso análogo, “ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal”. Segundo o mencionado ministro, “nesse direito ao silêncio incluí-se, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração penal” (cf. STF, HC 71421).

Embora não haja para o acusado, em tese, um compromisso com a verdade, e apesar de haver garantia constitucional quanto ao silêncio, isso não quer dizer que exista um direito que ampare a mentira. Vale dizer que se um acusado, no afã de se defender criminalmente de um crime que lhe é imputado, atribuir falsamente a respectiva autoria a um terceiro, além de cometer ilícito penal, responderá judicialmente pela prática desse crime (cf. CP, art. 339).

Nesse sentido, é importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em conformidade com a orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao decidir sobre um caso análogo (cf. RE 640139 DF), consolidou o entendimento segundo o qual a atribuição de falsa identidade para si caracteriza ilícito penal, ainda que tal expediente seja utilizado como meio de autodefesa (cf. STJ, Súmula 522, Terceira Seção; j. 25/03/15).

Depreende-se, portanto, que não há um direito que ampare a mentira. Longe disso. O que há, na realidade, são garantias constitucionais que asseguram o direito à ampla defesa, o direito ao silêncio e o direito contra a autoincriminação.

Assim, por mais que a conduta do tal do Battisti possa ser passível de censura ou até mesmo ser considerada moralmente reprovável, ele, ao mentir sobre os homicídios que lhe foram imputados às autoridades brasileiras, nada mais fez do que exercer a garantia constitucional da ampla defesa. Conforme salientado anteriormente, esse tipo de conduta, por si só, não tem o condão de caracterizar um ilícito penal, já que está amparada pelo direito ao silencio, cujo âmbito tolera, ou melhor, abrange, inclusive, a negativa quanto à autoria de crimes.

José Ricardo Armentano

Advogado no Escritório Morad Advocacia Empresarial

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