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7 de dezembro de 2018 | Morad

A omissão de socorro!

Omissão de Socorro
Omissão de Socorro

Pobre daquele soldado de ninguém, egoísta e narcisista, que, caído no campo de batalha, ninguém vem busca-lo

Se na miserabilidade da guerra o cumprimento do dever, na estoica perseguição de um objetivo militar, prevalece, sob todos os aspectos, sobre a necessidade de amparar os soldados caídos, na vida em sociedade as coisas são bem diferentes, já que, de um modo geral, comete crime de omissão de socorro aquele que deixa de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a quem, em situação de perigo ou ferido, dela necessitar. Mais especificamente, segundo a legislação penal, deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública, configura crime de omissão de socorro (cf. art. 135, CP).

Depreende-se, portanto, de uma forma simplista, que a legislação pertinente impõe o dever jurídico de prestar socorro.

Basicamente a omissão se dá de duas formas: quando não se presta auxílio pessoal à vítima ou quando não se pede socorro à autoridade pública. A esse respeito, impõe-se ressaltar que só se sujeita a esse tipo de crime a pessoa apta e capaz de prestar assistência ou pedir por ela à autoridade pública.

No que concerne a essa última hipótese, tal pedido deve ser feito com prontidão. Imagine, por exemplo, alguém que chega ao condomínio onde mora tarde da noite e encontra caído ao lado da porta do respectivo apartamento um inimigo figadal. Mais especificamente, um asqueroso vizinho que ignora as mais básicas regras de convivência social e que, propositadamente e de forma contumaz, costuma, dentre outras coisas: colocar em funcionamento uma barulhenta eletrola tarde da noite, por horas a fio; ignorar os espaços previamente delimitados na garagem; jogar pontas de cigarro nas varandas alheias etc. Pois é! Imagine que esse alguém tire do bolso um Código Penal e, após uma breve e rápida consulta, constate feliz da vida que, de acordo com a letra fria da lei, só é punível aquele que não presta auxílio ou que não pede socorro à autoridade pública. Assim, maliciosa e pacientemente, ele, com a nítida sensação de que as respectivas preces foram ouvidas, espera o asqueroso vizinho estrebuchar em agonizante sofrimento até a beira da morte para, somente então, pedir o necessário auxilio médico. Pois é, a lei pode ser fria, mas quem a interpreta, o faz com sabedoria e razoabilidade. Por esse motivo, o Poder Judiciário, na condição de intérprete da lei, fixou o entendimento segundo o qual a assistência deve ser prestada ou solicitada prontamente, sob pena de caracterização da omissão de socorro, já que a demora injustificada aumenta consideravelmente o risco existente ou, então, simplesmente não o diminui. Em outras palavras, também responde pelo crime de omissão quem agrava a situação de perigo ou a incrementa.

Em linhas gerais, duas são as hipóteses em que a prestação de socorro ou o respectivo pedido à autoridade pública não são exigíveis.

A primeira delas diz respeito aos casos que envolvem risco pessoal. Não se exige, nesse tipo de situação, o pronto auxílio, tampouco o imediato pedido de socorro. Imagine, por exemplo, um assalto à mão armada perpetrado por um trio de malfeitores contra um casal de idosos em uma esquina mal iluminada. Imagine, ainda, que nesse exato momento um fervoroso devoto de São Miguel, ao dobrar essa esquina, dê de cara com essa terrível situação. Imagine, por fim, que esses três mal feitores, “meigamente” e em uníssono, advirtam esse devoto com as seguintes ameaças: “parado, se não… morre! Quieto, se não… morre! E se correr… morre todo mundo!” Pois é, ainda que esse devoto homem esteja espiritualmente protegido por uma fé inabalável no mencionado santo guerreiro e ainda que a sua medalhinha do arcanjo Miguel, no seu imaginário, funcione tal qual um escudo templário, mesmo assim, diante do grave risco pessoal envolvido, não poderia ser exigido desse crédulo devoto, em uma situação tão crítica e arriscada como essa, o enfrentamento desses malfeitores, tampouco um dissimulado e sussurrante pedido de socorro à autoridade competente, por meio do providencial 190, já que nessas condições a possibilidade deles serem silenciados impiedosa e definitivamente por uma saraivada de tiros certeiros é astronômica!

Já a outra diz respeito àquelas hipóteses em que o resultado era inevitável. Mais especificamente, naqueles casos em que não há mais nada a se fazer para impedir o agravamento do risco ou para diminuí-lo. Imagine um prudente motorista, parando o veículo por ele dirigido diante da faixa de pedestres, em obediência à sinalização de transito, para que um saltitante transeunte, munido de um poderoso Headphone Bluetooth Wireless, inicie a respectiva travessia da rua. Imagine, ainda, esse saltitante transeunte sendo atingido, de forma abrupta e inesperada, e consequentemente sendo violentamente lançado, aos pedaços, a dezenas de metros à frente, por um outro veículo, trafegando em elevadíssima velocidade e em flagrante violação à sinalização de trânsito. Imagine, por fim, que o desalmado condutor desse veículo, completamente embriagado, resolva fugir impiedosamente do local após a ocorrência desse sangrento evento!

Especificamente nesse caso, onde a hipótese de morte instantânea é clara e inquestionável, não há que se falar em omissão de socorro por parte do prudente motorista, caso ele resolva, horrorizado com a sangrenta cena, dela se afastar, sem prestar ou pedir auxílio. É evidente que em casos assim não há nada mais a ser feito, afinal, qualquer que fosse o esforço realizado pelo prudente motorista, o resultado teria sido o mesmo: morte instantânea! E a razão disso é sintomática, já que ninguém sobrevive ao ser despedaçado por um bólido em altíssima velocidade.

E se, nesse caso, a morte não fosse evidente, tampouco perceptível? Haveria a caracterização da omissão de socorro por parte do assustado motorista que presenciou a cena e nada fez? E a resposta é bem simples: sim! Esse motorista responderá pelo crime de omissão, ainda que posteriormente seja constatada a morte instantânea da vítima. O que a legislação pertinente resguarda é o dever jurídico de assistência — fundada, aliás, na solidariedade humana. Mesmo que a dinâmica ou a estética do acidente sejam desoladoras, ainda assim, havendo a mínima dúvida quanto à eventual morte imediata da vítima, caberá a todos aqueles que estiverem próximos ao local do evento prestar o providencial auxílio ou por ele clamar, não lhes cabendo avaliar, na oportunidade, a gravidade das lesões sofridas pela vítima, tampouco a inevitabilidade das consequências do evento que a vitimou.

Já o condutor embriagado, que atropelou o transeunte e fugiu do local, responderá pelo crime de homicídio, na modalidade culposa — ou, dependendo do caso e das respectivas peculiaridades que o envolvem, na forma dolosa (dolo eventual). A omissão de socorro, nessa hipótese, não caracteriza crime, mas, em vez disso, configura fator de aumento da pena do crime de homicídio (cf. art. 302, § 2º, CTB).

Enfim, se vale tudo — pensando bem, quase tudo — no amor e na guerra (all is fair in love and war) , inclusive abandonar os pobres soldados caídos em campanha à própria sorte, na vida em sociedade vale a lei, que a todos impõe o dever jurídico de prestar ou pedir auxílio, na forma e nas condições nela previstas, a quem se encontra em situação de abandono ou perigo!

 

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