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24 de julho de 2019 | Morad

A penhora de salário

Penhora de Salário
Penhora de Salário

As questões envolvendo a penhora de bens sempre despertaram — e ainda continuam a despertar — discussões acaloradas no mundo jurídico, principalmente aquelas envolvendo a penhora de salário.

 

Mas, afinal, como isso é possível? O salário não é a remuneração do trabalhador, cuja finalidade é possibilitar a ele uma subsistência digna, razão pela qual não se sujeita à ganância de insensíveis credores?

Pois é! A penhora envolvendo verba salarial sempre foi mesmo um assunto controvertido! Antes da entrada em vigor da nova legislação processual civil — em 2016 — os salários eram absolutamente impenhoráveis. Vale dizer que a legislação que vigorava até então (CPC de 1973) fulminava, de modo categórico, a pretensão daqueles cogitavam, por meio da penhora de salário, a satisfação dos respectivos créditos.

Imagine, por exemplo, a decepção de um devedor que descobriu, ao tentar recuperar judicialmente o seu crédito, que o devedor, apesar de ostentar nas redes sociais uma suntuosa vida social, não dispunha de patrimônio pessoal para honrar a respectiva dívida. Imagine ainda a revolta desse credor ao ser cientificado de que o pedido de penhora por ele formulado na vigência da legislação processual anterior, de parte do polpudo salário do devedor espertalhão, foi sumariamente negado no curso do processo executivo, sob o fundamento de que esse tipo de verba era, por força de lei, absolutamente impenhorável (cf. antigo CPC, art. 649, IV)!

Por mais que o credor reclamasse do excessivo rigor da lei, da injustiça ou até mesmo da imoralidade que essa proibição legal encerrava em sua a essência, a interpretação literal e restritiva da lei anteriormente vigente, pelo Poder Judiciário, no que concerne a esse tipo de questão, continuava inalterada. Se a legislação pertinente determinava expressamente, sem qualquer distinção, que os salários eram impenhoráveis… impenhoráveis eles eram e ponto final!

O legislador, contudo, sensível a esse tipo de questão, houve por bem alterar a legislação pertinente. Assim, de acordo com o novo Código de Processo Civil — cuja entrada em vigor se deu no dia 18 de março de 2016 —, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios, os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiros, destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos do trabalhador autônomo e honorários de profissional liberal, continuam impenhoráveis (cf. CPC, art. 833, IV). Todavia, foi retirado desse tipo de verba o caráter de absoluta impenhorabilidade que era previsto na legislação processual civil anterior, de modo a tornar possível, de acordo com a legislação vigente, a respectiva penhora em duas hipóteses.

A primeira delas diz respeito à exceção prevista na parte inicial do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, que passou a admitir expressamente a penhora de salário para o pagamento de prestação alimentícia, assim compreendida como as despesas destinadas à alimentação, à saúde, à educação, vestuário etc. Vale dizer que para o custeio de despesas provenientes daqueles que são desprovidos de condições financeiras para prover as respectivas subsistências — tais como filhos, ex-cônjuge, ex-companheiro, tanto de união estável quanto de união homoafetiva, e pais — passou a ser admitida a penhora de qualquer tipo de verba, salário ou rendimento, independentemente da respectiva origem.

Oportuno se faz ressaltar que a prestação alimentícia pode se originar do vínculo familiar (pai, filho, avós etc.); da dissolução do casamento ou união estável; de um ato ilícito — por exemplo, decorrente de acidente de trânsito com morte da vítima e obrigação de prestar alimentos aos dependentes dela —; ou mesmo de honorários de advogado (STJ; REsp 1.732.927/DF; j. 30/08/18).

Aliás, no que concerne aos honorários dos advogados, é importante ressaltar que eles têm caráter alimentar, razão pela qual é possível a penhora de salário para a satisfação de dívida originada da prestação de serviços advocatícios. Nesse sentido, a súmula vinculante de nº 47 do STF é clara ao dispor que “os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.”

E os demais honorários? Pois é! Embora não haja disposição legal expressa, tampouco súmula vinculante do Poder Judiciário a esse respeito, o mesmo raciocínio utilizado no caso dos honorários advocatícios, por uma questão de coerência jurídica, pode — e deve — ser empregado para justificar a penhora de salário para a satisfação de dívida decorrente de outras espécies de honorários. Em outras palavras: se vale para o advogado, vale, também, para outros profissionais liberais, tais como engenheiros, arquitetos etc.

Já a segunda hipótese diz respeito à exceção prevista na parte final do parágrafo 2º do artigo 833 do CPC, segundo a qual a regra de impenhorabilidade de salário não abrange as importâncias que ultrapassarem o limite de cinquenta salários mínimos mensais. Segundo a óptica do legislador, cinquenta salários mínimos são mais do que suficientes para a subsistência de uma pessoa, de modo que a quantia que ultrapassar esse patamar será passível de penhora para a satisfação de qualquer tipo de dívida!

Além dessas duas hipóteses de exceção expressamente previstas em lei para a penhora de salário, há também uma outra exceção, contudo, decorrente de uma construção jurisprudencial do STJ. Segundo essa corte superior, se de um lado a lei e o Judiciário devem garantir para qualquer pessoa o mínimo suficiente para que ela possa subsistir dignamente, por outro lado a execução existe para dar resultado. Aliás, o exemplo anteriormente mencionado envolvendo um inconformado credor e um devedor assalariado, cuja vida, apesar da penúria patrimonial, é suntuosa, bem ilustra esse tipo de questão. Deve haver, segundo o STJ, razoabilidade no balanceamento dessa equação. Segundo o entendimento desse tribunal superior, o devedor não poderá ser sacrificado para o pagamento da dívida em razão do conforto do credor, e este, em contrapartida, não poderá ficar a ver navios em prol da comodidade daquele que lhe deve. E, na esteira desse raciocínio, a Corte Especial do STJ, no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial de nº 1.518.169 – DF, manifestou o entendimento segundo o qual é possível a penhora de salário para a satisfação de dívida não alimentar, desde que o respectivo bloqueio recaia apenas sobre uma parte dele e isso não prejudicar a subsistência digna do devedor e da sua família.

Vale dizer que a regra de impenhorabilidade de salário, para o STJ, não é absoluta e pode ser objeto de exceção para qualquer tipo de dívida, desde que não prejudique a subsistência digna do devedor e da respectiva família.

Para que esse tipo de penhora seja possível, o credor deverá demonstrar cabalmente que todas as demais formas menos onerosas para o devedor, destinadas à satisfação do crédito reclamado, já foram infrutiferamente tentadas. Ou seja, o credor deverá demonstrar que já tentou a penhora de outros ativos financeiros (tais como saldos em conta bancária, contas de poupança, fundos de investimentos etc.), bem como de outros tipos de ativos (tais como automóveis, motocicletas, jet skis etc.), e que todas essas tentativas foram em vão. Não sendo encontrados ativos e tendo sido esgotadas todas as formas menos gravosas para a satisfação da dívida executada, aí sim será possível a penhora de salário.

Por se tratar de uma exceção construída com base na jurisprudência, o respectivo deferimento dependerá preponderantemente da situação do caso concreto. Vale dizer que se o credor conseguir demonstrar claramente que é possível a subsistência digna do devedor com a parte remanescente daquilo que sobrar, muito provavelmente a penhora, nos moldes admitidos pelo STJ, será deferida nos autos da execução.

O ônus da prova, nesse caso, deve recair sobre o devedor, já que ele é quem tem mais condições e maior facilidade para comprovar se o próprio salário é capaz de suportar eventual penhora.

Se juiz verificar, no caso concreto, que a penhora do salário ofenderá o princípio da dignidade da pessoa humana em relação ao devedor, prevalecerá a regra da impenhorabilidade salarial!

Ainda sobre a questão da impenhorabilidade, oportuno se faz ressaltar, também, que o saldo do FGTS não é passível de penhora. Embora o STJ tenha relativizado a regra de impenhorabilidade de salários, o mesmo não se deu com os recursos oriundos do fundo de garantia. Mais especificamente, segundo essa corte superior, não é possível a penhora do FGTS, ainda que se trate de dívida de caráter alimentar, vez que não há previsão legal para tanto (cf. STJ; REsp. 1619868/SP; j. 24/10/17).

E a penhora de previdência privada? Para o STJ tal possibilidade dependerá da situação do devedor. Se for caracterizado que a previdência privada do devedor porventura existente é utilizada para a subsistência dele, não será possível, tampouco admitida, a respectiva penhora. Porém, se isso não for demonstrado no processo, a penhora, diante dessa circunstância, será passível de ser realizada (cf. STJ; AgInt. Nos EDcl no AResp. 975287/PE; j. 28/03/17).

Também caberá ao devedor, nesse caso, fazer prova de que a respectiva previdência privada é utilizada para a própria subsistência e, em razão disso, imprestável para suportar eventual penhora, já que é ele quem tem mais condições e uma maior facilidade para tal comprovação.

Enfim, em relação a esse tema, depreende-se que o legislador, de um lado, foi atento aos anseios da sociedade, de modo a excepcionar salomonicamente a regra da impenhorabilidade de salário (cf. CPC, artigo 833, parágrafo 2º). Porém, sob um outro prisma, é de certa forma preocupante — embora louvável e bem intencionada — a relativização da letra da lei pelo Poder Judiciário no que tange à impenhorabilidade de salário. Se a lei existe, certamente é para ser cumprida em seus estritos termos, por mais rigorosos que possam ser, afinal: dura lex, sed lex!

Se demasiadamente dura é, que se mude a lei pelo Poder Legislativo, de acordo com o interesse social e com a relevância da questão factual nele envolvido, sob pena de aviltamento da separação dos poderes constitucionalmente tripartidos, bem como sob pena de afrontamento à necessária segurança que deve haver nas relações jurídicas entre as pessoas, vez que, se assim não for, o Poder Judiciário passará a legislar e a lei — dura mas lei — passará a ser relegada ao anódino campo da “lei, ora lei”!

 

José Ricardo Armentano

Advogado no escritório Morad Advocacia Empresarial

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