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22 de abril de 2019 | Morad

Empréstimo de dinheiro a título gratuito para amigos, entes queridos e familiares

Empréstimo de Dinheiro
Empréstimo de Dinheiro

Eis aí uma questão delicada: o empréstimo de coisas!

Se isso, de um modo geral, já é um motivo de preocupação, imagine então um empréstimo envolvendo dinheiro? Aliás, quem nunca foi surpreendido com um pedido de empréstimo dessa natureza? E é justamente nessa hora que surge no íntimo daquele que recebeu esse tipo de pedido uma dúvida cruel, digna de atormentar até mesmo o célebre personagem criado pelo brilhante dramaturgo Shakespeare, o príncipe Hamlet da Dinamarca: emprestar ou não emprestar, eis a questão!

Operações dessa natureza envolvendo dinheiro sempre são arriscadas, vez que, no mais das vezes, destinam-se a suprir financeiramente situações emergenciais ou eventos para os quais aqueles que solicitam empréstimos não estão preparados para enfrentar, tampouco capacitados para restituir, em um curto espaço de tempo, as quantias emprestadas.

A questão se torna mais delicada ainda quando o empréstimo é realizado a título gratuito e o respectivo pedido é proveniente, por exemplo, de uma graciosa e querida sobrinha, de um solícito e amoroso namorado ou, então, de um amigo íntimo. A esse respeito, a sabedoria popular é taxativa: quem empresta ao amigo… arranja um inimigo!

E o que fazer em uma situação dessas? Antes dessa questão ser respondida, oportuno se faz, para uma melhor compreensão do contexto em que ela está inserida, tecer algumas considerações a respeito do empréstimo.

O empréstimo, na acepção jurídica da palavra, nada mais é do que uma operação — mais especificamente um contrato, escrito ou verbal — por meio da qual uma pessoa cede alguma coisa a outra pessoa, para ser temporariamente usada e, posteriormente, restituída nas mesmas condições em que foi recebida, tanto em gênero, quanto em qualidade e quantidade.

Por se tratar de uma importante operação no âmbito das relações entre as pessoas, houve por bem o legislador, de um modo geral, dedicar um capítulo inteiro sobre essa matéria no Código Civil Brasileiro, mais especificamente no respectivo Capítulo VI, intitulado “Do Empréstimo”. De acordo com o mencionado código, duas são as modalidades de empréstimo: o comodato, que diz respeito às operações envolvendo bens móveis e imóveis (bens infungíveis); e o mútuo, que refere-se ao empréstimo de bens consumíveis (bens fungíveis).

As operações envolvendo o empréstimo de dinheiro enquadram-se no âmbito do mútuo e são disciplinadas, basicamente, pelos artigos 586 a 592 do Código Civil. Elas podem ser subdivididas em mútuo gratuito, vez que não envolve qualquer tipo de retribuição a quem empresta, ou seja, ao mutuante; e em mútuo feneratício, que é realizado com finalidade econômica, de modo a sujeitar aquele que recebe o empréstimo, isto é, o mutuário, ao pagamento de juros.

Assim, retomando o questionamento anterior, o que fazer em uma situação dessas? Aceitar ou recusar um pedido de empréstimo em dinheiro a título gratuito formulado por um ente querido?

Essa é mesmo uma questão delicada, em relação a qual, no mais das vezes, não há escapatória. Para piorar o respectivo cenário, as operações de empréstimo de dinheiro envolvendo amigos, entes queridos e familiares invariavelmente se situam no âmbito do mútuo gratuito, onde o vínculo pessoal e afetivo existente entre os envolvidos, na grande maioria das vezes, não permite — além da gratidão de quem recebeu o empréstimo — a estipulação de qualquer retribuição ou benefício para o mutuante. E a razão para isso é muito simples: imagine só se o mutuante, como condição para a realização de um empréstimo de dinheiro à uma sobrinha querida, à uma namorada ou a um amigo intimo, imponha o pagamento de juros? Aquilo que seria muito natural no âmbito dos empréstimos feneratícios, torna-se algo extremamente desagradável no meio familiar, nas relações afetivas e nos círculos de amizade. Para essa querida sobrinha, em vez de benfeitor, o seu até então estimado tio passará a ser considerado um desalmado Tio Patinhas, capaz de corar de vergonha o saudoso ilustrador da Disney, Carl Barks; já o namorado, na concepção da adorável namorada, passará a ser considerado um ingrato explorador; e para o apurado amigo, aquele que era tido, até então, como um “irmão”, passará a ser considerado um camarada desprezível, do escol do avarento personagem de Dickens, Ebenezer Scrooge.

Nas operações de empréstimo em dinheiro realizadas a título gratuito, o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante aquilo que foi recebido, em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Aliás é o que dispões a legislação ordinária a esse respeito (cf. CC, art. 586). Assim, se o mutuante a título gratuito emprestou cem reais (R$ 100), deverá ele, ao término do contrato, receber esses mesmos cem reais (R$ 100) do mutuário. Embora não seja comum nesse tipo de operação, as partes até poderão adotar algum critério para a correção do valor emprestado, mediante a utilização de algum índice inflacionário.

Outra questão importante refere-se à forma como a operação de mútuo a título gratuito é concretizada. A esse respeito, não resta dúvida que a melhor alternativa para lidar com esse tipo de questão consiste, novamente, na observância da boa e sábia sabedoria popular, materializada no provérbio: amigos, amigos… negócios à parte! Assim, se não houver escapatória em relação ao pedido de empréstimo a título gratuito, recomenda-se que a operação envolvendo familiares ou pessoas com relevante vínculo pessoal afetivo entre si, seja formalizada por meio de documento escrito, contendo a indicação e a qualificação das partes envolvidas (mutuante e mutuário), o montante emprestado, o prazo para a respectiva restituição (vencimento) e a forma em que se dará essa restituição (de uma só vez ou parceladamente).

Nem sempre isso é possível. Por motivos de ordem pessoal ou até mesmo em razão dos melindres inerentes ao relacionamento existente entre as partes, esse tipo de cautela, no mais das vezes, não é passível de ser posta em pratica. É bem verdade que a legislação pertinente não exige nenhuma formalidade para a realização de uma operação de empréstimo. Mas, mesmo assim, principalmente nas circunstâncias mencionadas, recomenda-se que as partes envolvidas — ou seja, tanto aquele que empresta, quanto aquele que recebe o empréstimo — documentem a respectiva operação da melhor forma possível. Aliás, oportuno se faz ressaltar que a legislação pertinente não admite a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação de negócios jurídicos. De acordo com o parágrafo único do artigo 227 do Código Civil, a prova testemunhal somente é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito. Assim, para a comprovação de negócios jurídicos dessa natureza, faz-se necessário, ao menos, um início de prova documental, tais como comprovantes de transferências e de depósitos bancários, e-mails trocados entre as partes a respeito da operação ajustada entre ambas, notas, bilhetes ou até mesmo mensagens por meio de aplicativos de comunicação, tais como o WhatsApp, já que elas vêm sendo admitidas como meio de prova por nossos tribunais. É importante ressaltar, também, que o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas é considerado título executivo pela legislação pertinente (cf. CPC, art. 783, III). Assim, se a operação de empréstimo estiver formalizada nesses moldes, mais fácil e mais rápida será a eventual providência judicial em caso de litígio entre as partes envolvidas.

Outra questão importante a respeito dos empréstimos a título gratuito envolvendo amigos, entes queridos e familiares diz respeito ao prazo de restituição do montante emprestado. Aliás, a maioria dos problemas com esse tipo de operação começa a surgir quando a restituição do montante emprestado não ocorre no prazo ajustado entre as respectivas partes ou, então, quando o empréstimo é realizado sem uma data específica para ser restituído. Nesse caso, em decorrência da natural tolerância existente nas relações familiares, afetivas e de amizade, não é incomum um mutuário relegar a restituição da quantia que tomou emprestado para o último lugar das suas prioridades. Por conta disso, os mutuantes acabam se revoltando com o comportamento relaxado e descomprometido dos respectivos mutuários. E é justamente por conta disso que aquele tio bacana passa a criticar a sobrinha querida: — ela tem dinheiro para fazer implantes de silicone, mas não tem dinheiro para pagar o que me deve. O mesmo se dá com aquele bacana e solidário camarada, que, revoltado com a malemolência do respectivo amigo, passa a reclamar acidamente: — dinheiro para trocar de carro ele tem, mas para devolver o dinheiro emprestado… não! E nesse mesmo balaio encontra-se aquela dócil e compreensiva namorada, que sentindo-se cruel e calculadamente explorada pelo então namorado, passa a exigir dele, após o rompimento do respectivo relacionamento amoroso, a imediata devolução da quantia por ela emprestada.

Para evitar esse tipo de problema e até mesmo para preservar a necessária sintonia entre as partes envolvidas nesse tipo de operação, é importantíssima a estipulação, de antemão, de uma data para a restituição do montante emprestado.

E quando não há uma data específica? A esse respeito, a legislação pertinente, mais especificamente o Código Civil, dispõe que, inexistindo convenção expressa a respeito, o prazo do mútuo em dinheiro será, pelo menos, de trinta dias (cf. CC, art. 592, II). Vale dizer que antes desse período o mutuante não poderá reclamar do mutuário a restituição do montante emprestado.

E se após esse período de trinta dias ou, então, após o esgotamento do prazo convencionado entre as partes, ou mesmo após a solicitação do mutuante, o mutuário deixar de realizar a restituição do montante emprestado na forma que havia sido convencionada?

Bem… nesse caso duas são as alternativas!

A primeira delas consiste na realização de uma fervorosa novena a São Judas Tadeu, padroeiro e protetor das pessoas em situação de desespero. Cá entre nós, talvez isso, por si só não baste. Assim, a diversificação das frentes de atuação, para a solução de situações delicadas como essa, sempre será uma boa estratégia, de modo que a realização concomitante de uma outra novena à Santa Edwiges não fara mal algum, afinal, na condição de protetora dos endividados, quem sabe ela, com a sua luz divina, possa amparar espiritualmente o mutuário na resolução do respectivo endividamento.

Já a outra solução, aliás, bem mais razoável e até mesmo mais efetiva, consiste na contratação de um advogado, o qual, valendo-se de suas habilidades profissionais, envidará esforços para a obtenção de uma solução amigável entre os envolvidos — afinal, por mais delicada que seja a situação, tratam-se de familiares e de pessoas que outrora mantinham entre si fortes vínculos afetivos e pessoais. E se, apesar desses esforços, nada for resolvido, não restará alternativa senão a propositura da medida judicial cabível, destinada a compelir o mutuário a restituir o montante emprestado. É preciso ter em mente que a propositura de uma medida dessa natureza deve ser precedida de uma criteriosa análise da documentação existente, bem como da situação patrimonial e financeira do mutuário, vez que de nada adiantará envidar esforços — onerosos por sinal — perante o Judiciário, se a operação de mútuo em dinheiro não puder ser razoavelmente provada e se a condição patrimonial e financeira do mutuário for insuficiente para suportar o empréstimo reclamado.

E quando a questão se torna litigiosa? Pois é! Esse, sem dúvida alguma, é o pior cenário. Além da dor de cabeça inerente a uma demanda judicial, as partes terão de suportar as consequências e os dissabores daí decorrentes, cujos efeitos não se restringem apenas aos envolvidos, mas abrangem, também, o círculo de amizades e de relacionamento pessoal, bem como a estrutura familiar.

Na via judicial, uma vez comprovada a existência do mútuo, será o mutuário compelido a restituir o montante que lhe havia sido cedido a título de empréstimo, contudo, corrigido monetariamente, com base nos índices oficiais adotados pelo Poder Judiciário, e acrescido de juros moratórios, na ordem de 1% ao mês, computados a partir da citação do devedor.

Enfim, já foi dito algures que não se deve acreditar naqueles que pedem emprestado, tampouco naqueles que emprestam, já que, no mais das vezes, perde-se o empréstimo, o dinheiro e o amigo. Nesse diapasão, se porventura não for possível evitar, tampouco recusar um pedido de mútuo em dinheiro a título gratuito, formulado por um ente querido, então, que a respectiva operação, ao menos, seja documentalmente detalhada, de modo a evitar futuros contratempos e mal-entendidos entre as partes, e minimizar, na medida do possível, as chances de perda do malfadado empréstimo… do dinheiro… e do amigo!

José Ricardo Armentano

Advogado no Escritório Morad Advocacia Empresarial

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