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4 de janeiro de 2019 | Morad

O arrependimento nas relações de consumo

Relação de Consumo
Relação de Consumo

Se para os cowboys do velho e selvagem oeste estadunidense atirar primeiro e perguntar depois significava, na maioria das vezes, o diferencial entre a vida e a morte, nos dias atuais, principalmente no período natalino, comprar antes e se arrepender depois certamente poderá significar para os consumidores uma grande dor de cabeça. E a razão disso é bem simples: o direito ao arrependimento, nas relações de consumo, não é algo que possa ser exercitado de modo irrestrito e ilimitado, já que a legislação pertinente impõe, para tanto, certos limites.

Imagine, por exemplo, uma bela e estilosa mulher que, estupefata, descobre ao circular no interior de uma badalada loja de grife que o caríssimo vestido dos seus sonhos está sendo vendido pela metade do preço. Isso mesmo: pela metade do preço! Imagine, ainda, que apesar de não haver numeração compatível com o respectivo manequim, essa estilosa mulher, mesmo assim, resolve, com o coração palpitando de alegria, adquirir impulsivamente uma peça de tamanho duas vezes menor, com o firme propósito de usá-la nas festividades de final de ano, contando, para tanto, com uma fé inabalável em uma milagrosa dieta natalina a base de pinhões da espécie pinus gerardiana. Imagine, ainda, que ela, no aconchego do lar, resolva, em um piscar de olhos, digo, em um par de clicks, adquirir, por meio do célebre portal das Lojas Alienígenas — cujas promoções e ofertas são do outro mundo — um par de caríssimos sapatos, para combinar com o très chic vestido recém adquirido.

Imagine, ainda, que essa bela mulher, após uma noite bem dormida e passados os eufóricos efeitos do impulso consumista, constate que não possui força de vontade suficiente para levar a diante, por quase quinze dias, uma rigorosa dieta a base de pinhões paquistaneses e, consequentemente, para perder uma quase dezena de quilos em um intervalo tão diminuto de tempo. Mas não é só isso! Imagine, também, que ela se dê conta que, apesar de ter adquirido uma peça de vestuário pela metade do respectivo preço, o valor empenhado, ainda assim, é exageradamente elevado para ser gasto em um produto em relação ao qual sequer há a certeza de quando poderá ser usado. E, para piorar ainda mais a situação, imagine por fim o desespero dessa estilosa mulher ao perceber que os sapatos por ela recém adquiridos pela internet não combinam com nenhum outro modelito do seu closet.

Pois é! No velho oeste tal questão, talvez, pudesse ser facilmente resolvida sob a mira de um convincente colt. Mas, nos dias atuais, esse não é, com toda a certeza do mundo, o modo apropriado para resolver esse tipo de questão. Assim, não restará alternativa a essa estilosa consumidora senão valer-se da legislação pertinente para remediar o respectivo arrependimento, ou, ao menos, para minimizar as consequências dessas impulsivas aquisições.

Conforme salientado anteriormente, o direito ao arrependimento nas relações de consumo não é irrestrito, tampouco ilimitado. Mais especificamente, o consumidor , segundo a legislação pertinente, em especial o Código de Defesa do Consumidor (CDC), poderá desistir da contratação, no prazo de sete dias a contar da respectiva assinatura ou do ato do recebimento do produto — ou, então, do início da prestação do serviço, conforme o caso —, desde que a operação tenha ocorrido fora do estabelecimento comercial (art. 49, CDC). Trata-se, na realidade, de um prazo de reflexão que o legislador houve por bem conceder ao consumidor para que ele, isento de artimanhas e de práticas comerciais persuasivas, possa avaliar, serenamente e com maior fôlego, a real necessidade da aquisição realizada. Aliás, é importante ressaltar que, para tanto, não é necessária nenhuma explicação, tampouco justificativa. Basta apenas a vontade do consumidor nesse sentido.

Assim, de um modo geral, as aquisições de produtos ou serviços realizadas por meio da internet, de telemarketing, de telefone ou por qualquer outro meio eletrônico, ou, então, por correspondência ou por meio de vendedores externos em operações realizadas em domicílio, são passíveis de arrependimento e, consequentemente, poderão desfeitas. Nessas hipóteses, os valores porventura pagos, a qualquer título, deverão ser restituídos integralmente ao consumidor, corrigidos monetariamente (cf. parágrafo único, art. 49, CDC). Na hipótese em que a aquisição for realizada por meio de cartão de crédito, caberá ao fornecedor providenciar o cancelamento ou o correspondente estorno, caso a operação já tenha sido lançada perante a instituição financeira ou a respectiva administradora, sem que disso decorra nenhum ônus ao consumidor. Aliás, é importante ressaltar que também não poderão ser atribuídas ao consumidor as despesas de remessa, tampouco as de devolução dos respectivos produtos, já que tais encargos, por estarem inseridos no âmbito do risco da atividade do vendedor ou do prestador de serviço, conforme o caso, deverão, em razão disso, ser por eles exclusivamente suportados.

Portanto, no que concerne aquele par de sapatos, poderá a estilosa e impulsiva consumidora desistir tranquilamente da respectiva aquisição, nas condições anteriormente mencionadas, já que a legislação pertinente a ampara totalmente nesse sentido.

Porém, no que concerne ao vestido adquirido diretamente na loja física, o respectivo direito envolvido é diametralmente oposto daquele inerente às operações realizadas fora dos estabelecimentos comerciais. Em outras palavras, não há na legislação pertinente nenhum tipo de disposição legal amparando o direito ao arrependimento para aqueles casos em que a aquisição do produto — ou do serviço — é realizada dentro do respectivo estabelecimento físico. É importante ressaltar que, nesse tipo de operação, o consumidor somente poderá pedir a devolução do dinheiro na hipótese em que o produto for defeituoso e cujo defeito, por sua vez, não possa ser sanado no prazo de trinta dias.

Assim, em regra, a consumidora cheia de estilo não poderá desistir da aquisição do descolado vestido, já que não há na legislação pertinente nenhum comando legal que a ampare nesse sentido. Nada impede, contudo, que ela, de forma cordial e amigável, tente desistir dessa aquisição diretamente com a loja vendedora ou, então, trocar o diminuto vestido por um outro modelo — provavelmente sem o mesmo estilo dessa enxuta peça, mas, ao menos, mais confortável e passível de ser utilizada imediatamente —, já que as lojas, na esmagadora maioria das vezes, por liberalidade, costumam facultar a troca de produtos, com a finalidade salomônica de agradar clientes, sem perder, contudo, o negócio.

E se não foi possível desistir, tampouco trocar o produto… bem, não será, cá entre nós, o fim do mundo para essa consumidora, afinal, perder dois números a menos no respectivo manequim, para poder usar um très chic vestido dos sonhos, não é, em hipótese alguma, uma missão impossível, que somente os célebres personagens da IMF, Jim Phelps ou Ethan Hunt, seriam capazes de realizar!

José Ricardo Armentano

Advogado no Escritório Morad Advocacia Empresarial

 

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