Não há coisa mais revoltante para um adquirente do que perceber, durante uma operação envolvendo a aquisição de um bem imóvel em regime de incorporação imobiliária, que o incorporador repassou-lhe o encargo de pagar a comissão dos corretores envolvidos na respectiva negociação. Tal encargo, sob a óptica desse adquirente, deveria ser suportado pelo incorporador e não por ele, mesmo porque as atividades desempenhadas por corretores nesse tipo de operação mais se assemelham àquelas executadas por vendedores interessados em defender os interesses dos próprios incorporadores, do que propriamente atividades de intermediação, destinadas a acomodar os interesses das partes contratantes.
Os incorporadores, a respeito disso, justificam tal prática sob a legação de que inexiste qualquer tipo de subordinação entre eles e esses corretores, tampouco empecilhos de ordem legal capazes de impedir e de macular a legitimidade desses repasses.
Essa questão acabou ensejando uma acirrada disputa no âmbito do Poder Judiciário, cujo ponto controvertido foi sintetizado na seguinte indagação: o repasse do pagamento das comissões de corretagem pelas incorporadoras imobiliárias aos consumidores é — ou não é — legítimo?
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) houve por bem pacificar de vez essa questão ao realizar o julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.551-9560-SP, fixando o entendimento segundo o qual é perfeitamente válida a cláusula contratual que transfere ao adquirente a obrigação de pagar a correspondente corretagem, desde que haja prévia informação sobre o preço total da operação e o valor da respectiva comissão.
Em outras palavras, desde que haja prévia e clara informação a respeito de todos os valores envolvidos na respectiva operação, ou seja, o valor total da unidade imobiliária transacionada e o correspondente valor da comissão de corretagem, nenhum obstáculo de ordem legal subsistirá em relação à transferência dessa comissão ao adquirente.
Por mais antipático que o entendimento pacificado por esse tribunal superior possa parecer aos consumidores, há um razoável fundamento jurídico para sustenta-lo. De fato, não há na legislação pertinente empecilhos capazes de impedir a transferência desses valores aos consumidores. E mesmo que assim não fosse, bastaria a esses incorporadores, para solucionar tal questão, “embutir” o valor da corretagem no preço final de venda.
Diante desse panorama, tal questão ficou resumida à necessidade de transparência, mediante a prévia e necessária discriminação de todos os valores envolvidos na composição do preço, para que os consumidores, de antemão, deles tenham conhecimento, e possam, em razão disso, decidir se é conveniente e se querem, em face daquilo que lhes foi revelado, concretizar — ou não — os respectivos negócios. Convenhamos, há uma certa razoabilidade nisso!
A quarta turma do desse tribunal superior, contudo, ao analisar recentemente um caso análogo, em que um adquirente, sob o fundamento de violação das disposições contidas no artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, pleiteava a restituição das despesas que pagou a título de corretagem, em virtude delas não lhe terem sido reveladas — tampouco detalhadas previamente — antes da celebração do contrato, mas apenas e tão somente na data da respectiva de assinatura, houve por bem relativizar a necessidade de antecedência anteriormente consolidada pelo próprio STJ. E isso porque, na concepção dos ministros da mencionada quarta turma, é irrelevante, para o atendimento do mencionado dever de informação, que a data da aceitação da proposta tenha sido a mesma da celebração do contrato (cf. STJ, REsp. 1.793.665-SP 2019/0019552-9; j. 12/03/19).
De acordo com essa decisão, o que importa, na realidade, é a possibilidade de verificação quanto a uma possível absorção dissimulada da comissão de corretagem pelo preço, durante a fase pré-contratual, de modo a ensejar novamente a cobrança maliciosa dessa comissão, por ocasião celebração do contrato, com o consequente aumento indevido do preço. Assim, desde que todas as informações pertinentes ao negócio, em especial aquelas úteis e necessárias para a verificação desse tipo de anomalia, estejam disponíveis ao adquirente até a data da respectiva assinatura, pouco importará, para a regularidade do repasse da comissão, o momento exato em que a disponibilização das informações relativas ao negócio ocorreu.
Na esteira desse raciocínio, não há para a quarta turma do STJ violação da legislação pertinente — em especial o CDC —, tampouco descumprimento do dever de informação, naqueles casos em que o consumidor celebra o contrato no mesmo dia em que aceita a proposta. Para essa turma, o dever de informação é cumprido quando o consumidor é adequadamente informado, até a data de assinatura do contrato, a respeito do preço total do bem adquirido, incluído nesse montante o valor da comissão de corretagem. Dessa forma, o consumidor, ciente das condições em que o negócio está sendo proposto, poderá dele desistir, sem que isso lhe acarrete dano ou prejuízo.
Tal entendimento, à evidência, não é favorável aos consumidores, já que os priva de saber, de antemão, a composição do preço, de modo a possibilitar uma reflexão calma e cuidadosa a respeito da conveniência e da viabilidade do negócio pretendido. É importante ressaltar, também, que o consumidor, nesse tipo de operação, ocupa posição significativamente menos privilegiada em relação aos incorporadores imobiliários, cuja estrutura empresarial é própria e adequada para a execução das atividades pertinentes à incorporação imobiliária. Assim, afigura-se mais razoável o entendimento segundo o qual a comissão de corretagem, ante a falta de comprovação de ciência prévia do consumidor, deve ser a ele ressarcida.
José Ricardo Armentano
Advogado no Escritório Morad Advocacia Empresarial
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