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15 de julho de 2019 | Morad

O sinal no âmbito dos negócios jurídicos

Sinal de âmbito

Se no livro do Apocalipse, do evangelista João, o número 666 corresponde ao sinal da besta, ou, então, se para o controvertido diretor de cinema M. Night Shyamalan os sinais nada mais são do que um prenúncio de uma invasão alienígena, no mundo jurídico os sinais têm lugar de destaque no âmbito dos negócios, principalmente nas operações imobiliárias envolvendo a venda e compra de bens imóveis. E isso porque eles representam o montante em dinheiro ou os bens móveis — de qualquer natureza — que uma parte contratante dá à outra para a garantia de um negócio jurídico. Aliás, esse tipo de sinal, cuja origem remonta à antiguidade, também é conhecido como arras.

O sinal — ou arras — tem a natureza jurídica de um pacto acessório, vez que integra o contrato principal e a ele se subordina. Além de confirmar o ajuste havido entre as partes contratantes, tornando-o obrigatório e gerando a presunção de que o contrato daí decorrente será cumprido, tem ele, de igual modo, a finalidade de prefixar o valor das perdas e danos em caso de eventual arrependimento.

Duas são as espécies de arras: as confirmatórias e as penitenciais.

Nas arras confirmatórias não há o direito de arrependimento. Assim, se a parte contratante que as ofertou se arrepender e não cumprir aquilo que pactuou, poderá a parte prejudicada considerar desfeito o respectivo contrato, retendo-as. Porém, se o descumprimento decorrer daquele que recebeu as arras, poderá a parte que as ofertou exigir a respectiva restituição dobrada, atualizada monetariamente e acrescida de juros, além de honorários advocatícios (cf. CC, art. 418).

Oportuno se faz ressaltar que a parte inocente, desde que prove que o montante das arras é insuficiente para cobrir os prejuízos por ela experimentados, poderá pedir indenização suplementar. Segundo a legislação pertinente, as arras, nesse caso, valerão como taxa mínima. Ainda nessa hipótese, a parte inocente poderá, também, caso lhe for mais conveniente, exigir a execução do contrato, bem como perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização (cf. CC, art. 419).

Já nas arras penitenciais é assegurado o direito de arrependimento para as partes contratantes. Para tanto, o respectivo contrato deverá conter disposição clara e expressa a respeito desse direito, bem como sobre o caráter penitencial desse tipo de sinal. Impõe-se ressaltar que nessa hipótese não há a possibilidade de indenização suplementar, vez que as arras ofertadas, em face da respectiva natureza indenizatória, já constitui uma prefixação de perdas e danos em caso de arrependimento. Assim, o arrependido que as deu deverá perdê-las em benefício da parte inocente. Já o arrependido que as recebeu deverá devolvê-las em dobro (cf. CC, art. 420). Nesse sentido, a própria Suprema Corte (STF), por meio da longínqua Súmula 412, já havia consolidado o entendimento segundo o qual a devolução do sinal, no compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.

Não haverá retenção do sinal, tampouco devolução dobrada — mas, apenas e tão somente, devolução singela — na hipótese de inadimplemento recíproco. Nesse caso, as partes deverão, consequentemente, retornar ao estado anterior (status quo ante) em que se encontravam. O mesmo ocorrerá se houver arrependimento recíproco ou, então, se não for possível identificar quem se arrependeu em primeiro lugar.

Cumpre destacar que a simples mora não é motivo para a retenção do sinal, tampouco para a respectiva restituição dobrada.

É importante salientar, também, que o sinal, na hipótese de ser excessivo, de modo a ensejar desequilíbrio e vantagem desproporcional para quem o recebe, poderá ser questionado judicialmente com base nos ditames do artigo 413 do Código Civil. Segundo o mencionado artigo, a penalidade deverá ser reduzida equitativamente pelo juiz se o respectivo montante for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. Esse tipo de questionamento tem por finalidade afastar a possibilidade de enriquecimento sem causa, decorrente da exigência de uma cláusula penal desproporcional e excessiva em relação ao prejuízo de fato experimentado pela parte beneficiária. Caberá ao magistrado, nesse caso, reduzir equitativamente o valor do sinal, segundo o seu prudente arbítrio e levando em conta, para tanto, a função social do contrato.

O sinal deixará de ser assim considerado na hipótese de pagamento parcial do preço. O credor, na hipótese de pagamento de uma das parcelas do preço, não mais poderá exigir a retenção do sinal, vez que o respectivo montante passará a ser compreendido como princípio de pagamento.

Se o contrato pretendido pelas partes não se concretizar, o valor ofertado a título de sinal, em virtude da respectiva natureza acessória, deverá ser restituído.

Depreende-se, portanto, que o sinal, não é uma coisa bestial — como quer fazer crer a visceral banda de heavy metal Iron Maiden —, tampouco atende, pelo menos no âmbito jurídico, pelo número 666. Longe disso! Trata-se, em linhas gerais, de um importante componente dos negócios jurídicos, mais especificamente das operações imobiliárias de compra e venda, vez que, além de gerar a presunção de obrigatoriedade quanto ao cumprimento daquilo que foi pactuado entre as partes, garante o ressarcimento de eventuais prejuízos decorrentes do respectivo descumprimento.

José Ricardo Armentano

Advogado no escritório Morad Advocacia Empresarial

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