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31 de julho de 2019 | Morad

Os crimes de corrupção e a justiça restaurativa!

Morad Advocacia
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A corrupção é, sem dúvida nenhuma, um dos crimes mais pérfidos e insidiosos do ordenamento jurídico brasileiro. Aliás, tal assertiva é de fácil percepção, vez que o ato de corromper, além de aviltar a moralidade e o compromisso com o bem comum, prejudica a todos, sem qualquer tipo de distinção, seja de classe social, de gênero, de raça etc.

Para uma melhor compreensão dessa questão, basta ter em mente, por exemplo, os astronômicos recursos financeiros que — em vez de terem sido utilizados para o bem comum, especialmente nas combalidas áreas da saúde pública ou mesmo da educação — foram repugnantemente alijados dos cofres públicos para alimentar, por exemplo: os bolsos de políticos corruptos flagrados no escândalo do mensalão; as imorais negociatas destinadas a favorecer empreiteiras corruptoras etc.

Mas, afinal, o que é a corrupção? De um modo geral, corrupção significa deterioração, decomposição física ou putrefação de algo. Significa, também, em outra acepção, o ato ou efeito de subornar uma ou mais pessoas, em benefício próprio ou de outrem.

Especificamente sob o prisma jurídico, podemos dizer que a corrupção propriamente dita é um crime previsto pela legislação penal no âmbito da administração pública, cuja caracterização se dá basicamente em duas modalidades: ativa e passiva!

A corrupção passiva somente se configura quando um funcionário público — ou alguém a ele equiparado — solicita, recebe ou aceita receber vantagem indevida e ilícita, seja ela patrimonial ou não, no exercício da respectiva função ou fora dela (cf. CP, art. 317). Necessário se faz ressaltar que a prática desse crime poderá ocorrer mesmo antes do infrator assumir ou exercer a respectiva função no âmbito da administração pública. É importante ressaltar, também, que para a configuração desse crime é necessário que o ato delituoso tenha sido cometido em razão da condição de funcionário público — ou a isso equiparado — do infrator.

Já o crime de corrupção ativa é aquele praticado por qualquer pessoa contra a administração pública em geral. Esse delito se configura quando o infrator oferece ou promete vantagem indevida e ilícita a um funcionário público, para que ele, em razão da função que exerce, pratique, omita ou retarde a realização de determinado ato no âmbito das respectivas atribuições funcionais (cf. CP, art. 333).

O Estado, mais especificamente a Administração Pública, é, em ambos os casos, o sujeito passivo do crime de corrupção.

Oportuno se faz ressaltar que há, ainda, o crime de corrupção ativa previsto no artigo 337-B do Código Penal, cuja conduta envolve funcionário público estrangeiro em transação comercial internacional. Nesse caso, não se trata de um crime em que a Administração Pública é propriamente vítima, vez que os bens jurídicos envolvidos nesse delito e protegidos juridicamente pela legislação pertinente são a transparência, o equilíbrio e a lealdade nas relações comerciais internacionais. Por se tratar, na concepção do jurista e professor Damásio Evangelista, de um crime vago, cometido contra o comércio internacional, não há um sujeito passivo determinado.

De um modo geral é possível afirmar, sem a menor dúvida, que a sociedade é a maior prejudicada nos crimes de corrupção, já que é ela quem padece por conta das consequências indiretas desse tipo de delito. Aliás, não é à toa que o jurista e professor Rogério Greco enquadra os crimes de corrupção no rol das “infrações penais mais nefastas e devastadoras, uma vez que, geralmente, mesmo atingindo diretamente a Administração Pública, indiretamente, causam dano a um número indeterminado de pessoas” (2013, p. 389).

E a razão disso é muito simples: a condenação do respectivo infrator, nos casos em que isso de fato ocorre, seja ele corrupto ou corruptor, por conta do sistema penal vigente — cujos pilares foram erguidos com base no conceito da justiça retributiva —, não é capaz, tampouco adequado para a plena reparação de todos os males causados em decorrência da prática de crimes dessa natureza.

Quando ocorre um ilícito penal, surge para o Estado — na condição de detentor do monopólio da justiça — o dever de apenar o respectivo criminoso, para que ele, condenado, cumpra a pena que lhe foi imposta e pague, consequentemente, a respectiva dívida para com a sociedade. Vale dizer que no sistema de justiça retributiva o foco está centrado no crime, cuja ocorrência desperta no Estado o dever de exercer o poder a ele inerente de castigar, mediante a imposição da correspondente pena prevista no ordenamento jurídico. A preocupação do Estado, sob esse prisma, concentra-se preponderantemente no binômio “crime x castigo”. Assim, a condenação do criminoso se dá mediante a aplicação da correspondente pena, consistente na restrição de liberdade e no pagamento de multa, de modo a relegar as partes prejudicadas por esse tipo de conduta criminosa — isto é, a Administração Pública, de modo direto, e indiretamente a própria sociedade — a um patamar de somenos importância.

Para a justiça retributiva não há a primordial preocupação quanto à recuperação moral do corrupto, tampouco quanto à respectiva ressocialização. Vale dizer que não há nenhum esforço para incutir ou mesmo despertar no infrator valores pessoais orientados ao bem comum e à boa e harmônica convivência em sociedade. Tampouco há esforços para a plena e efetiva reparação de todos os malefícios por ele causados direta e indiretamente à sociedade — que, em última análise, é a maior vítima e a mais prejudicada por esse tipo de conduta criminosa.

Aliás, é importante ressaltar que nesse modelo de justiça —ultrapassado para esse tipo de questão —o Estado, mais especificamente a Administração Pública, de modo direto, e a sociedade, de forma indireta, não são os únicos prejudicados, já que o próprio criminoso também é, afinal, o sistema retributivo, conforme já salientado anteriormente, tem como foco a condenação e aplicação da correspondente pena como forma de retribuição à ofensa havida no ordenamento jurídico, pouco importando a conscientização do infrator, a recuperação dos seus valores morais e a necessária ressocialização para que ele, purificado, possa conviver novamente em sociedade de forma profícua.

Já na justiça restaurativa o foco é bem mais abrangente e não se limita apenas e tão somente ao crime em si. Mais especificamente, há nesse tipo de justiça uma preocupação tanto com a vítima quanto com o infrator, bem como com os efeitos que a conduta delituosa causa no meio social. O binômio “crime x castigo”, que alicerça a justiça retributiva, dá lugar a uma base mais ampla, composta pelos elementos “dano, reparação e conscientização”. Vale dizer que nesse tipo de técnica de solução de conflitos a justiça está atrelada à ideia de restaurar e de recuperar, da melhor forma possível, em conjunto com todas as partes envolvidas, um estado, uma condição ou uma situação anteriormente aviltados por uma conduta criminosa.

Assim, na justiça restaurativa o foco está direcionado para as necessidades da vítima, para a consequente obrigação do ofensor em reparar o mal por ele causado e para o reenquadramento dele no âmbito social. E isso somente é possível, como forma de remediação e como meio de erradicação do ânimo de delinquir, mediante a participação de todos os envolvidos nesse tipo de questão: infrator, administração pública e a sociedade — caracterizada, nesse caso, por aqueles que foram direta ou preponderantemente prejudicados em virtude do crime praticado.

É evidente que a justiça restaurativa não tem aplicação em todos os tipos de crime. Por exemplo, não há o menor propósito — pelo menos nesse estágio de desenvolvimento da humanidade — buscar uma solução conjunta entre uma vítima de um crime hediondo e o seu algoz. Mas em outros determinados tipos de crime, tais como os de corrupção assim propriamente ditos pela legislação, ou mesmo outros delitos que envolvem atos de corrupção, tais como o peculato, o emprego irregular de verbas ou rendas públicas, a concussão, a prevaricação e o tráfico de influência, por exemplo, é perfeitamente possível e adequada a aplicação de um sistema judicante que leva em conta a restauração em vez da retribuição!

A sociedade, como um todo, torna-se a cada dia mais consciente a respeito dos malefícios causados por esse tipo de crime envolvendo a Administração Pública e mais intolerante com condutas dessa natureza. Consequentemente, há uma maior exigência quanto às respectivas providências a serem tomadas pelo Estado, na condição de detentor do monopólio da justiça, para a solução desse tipo de problema. Por esses motivos, a aplicação de velhas fórmulas e antigos conceitos — tais como a prisão dos envolvidos, o pagamento de multas etc. —, que anteriormente se apresentavam como soluções aceitáveis para esse tipo de questão, não são mais eficientes, tampouco suficientes para o alcance de um resultado satisfatório para todos os envolvidos.

Há, diante disso, um anseio crescente quanto à remodelação e à inovação do nosso ordenamento jurídico no âmbito penal, principalmente no que concerne aos crimes de corrupção, de modo a prever e a possibilitar a aplicação de novos conceitos, novos remédios jurídicos e novas técnicas de solução de conflitos, tais como a justiça restaurativa, onde as partes envolvidas, infrator e vítima — assim compreendida como a administração pública e a própria sociedade, nesse caso representada por aquele ou por aqueles que diretamente tenham sido afetados pela conduta criminosa —, obtenham da melhor forma possível, capitaneadas e mediadas pelo Judiciário, uma solução adequada e satisfatória para todos os envolvidos nesse tipo de questão.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte especial, 9ª ed. Niterói: Impetus, 2013, v. 4.

JESUS, Damásio E. de. Breves notas sobre o crime de corrupção ativa nas transações comerciais internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3582. Acesso em: 16 jul. 2019.

 

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