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31 de outubro de 2018 | Morad

Responsabilidade civil decorrente de incêndio

Responsabilidade Civil
Responsabilidade Civil

A infame tragédia ocorrida meses atrás no RJ, envolvendo o Museu Nacional, colocou em evidência, novamente, a sensível questão consistente na responsabilidade quanto ao ressarcimento de danos experimentados por terceiros, decorrentes de incêndio de prédio vizinho.

Para melhor ilustrar essa questão, imagine só um incêndio ocorrido em um prédio, cuja proporção, deveras significativa, além de destruí-lo completamente, causou expressivos danos aos demais prédios vizinhos, tais como estruturas arruinadas, fiações e tubulações fundidas, vidros estilhaçados, móveis e objetos irremediavelmente danificados, não apenas em decorrência do infernal calor irradiado desse evento, mas, também, em razão dos efeitos colaterais provenientes da ação do bravo e valoroso Corpo de Bombeiros.

Mas, afinal, quem responde pelo ressarcimento dos danos decorrentes desse tipo de evento danoso? E resposta para tal pergunta é bem simples: o respectivo causador, isto é, aquele que deu causa ao incêndio. Assim, o proprietário do imóvel onde o fogo se originou responde, em princípio, pelos danos e prejuízos causados a terceiros (CC, art. 937).

É importante ressaltar que a simples negativa de não ter dado causa ao incêndio não exime o proprietário do imóvel incendiado quanto ao dever de indenizar. Para tanto, cabe a ele provar que não deu causa, que não contribuiu para a ocorrência do evento infernal, ou, ainda, que o evento em si está situado no campo do caso fortuito e força maior.

Imagine, por exemplo, um homem bom e caridoso, que tem por hábito confessar todos os domingos, perante o santo padre da paróquia local, os risíveis pecadilhos — assim considerados, se confrontados com os males que assolam o mundo. Se para esse bom homem, no plano espiritual, o calor redentor proveniente da confissão é o bastante para aquecer a própria alma, no plano material, contudo, esse tipo de caloria é, para ele, completamente insuficiente para remediar os rigores das noites frias de inverno. Imagine, então, que esse bom homem, com a inocência de um pio — digna do décimo segundo papa católico —, resolva, para remediar tal situação, conectar na rede elétrica do respectivo apartamento, juntamente com uma infinidade de outros aparelhos elétricos, um potente aquecedor, por meio de um simplório conector, vulgar e popularmente conhecido como benjamim — para demérito, aliás, do célebre Franklin.

Convenhamos, não é necessária a verve literária de um Garcia Marquez, tampouco o fatalismo do seu personagem Santiago, para deduzir que a situação ora descrita nada mais é do que uma verdadeira crônica de uma morte, digo, de um incêndio anunciado… e de grandes proporções!

Nessas circunstâncias, pouco importa que o proprietário do imóvel incendiado seja um homem caridoso, temente a Deus e um frequentador assíduo das missas dominicais, ou que sequer estava em seu apartamento, na oportunidade em que ocorreu esse incêndio de grandes proporções. Tampouco importa que esse bom homem não tinha o mínimo conhecimento sobre os perigos decorrentes da falta de observância das recomendações técnicas e das cautelas pertinentes ao uso de aparelhos elétricos.

O que realmente importa, nesse caso, é que a conduta culposa desse homem, ao descurar-se das regras básicas de segurança e das recomendações quanto à utilização segura e responsável de aparelhos elétricos, ocasionou, por conta do excessivo número de apetrechos elétricos conectados imprudente e negligentemente na rede elétrica do seu apartamento, o colapso da respectiva fiação, de modo a produzir fagulhas incendiárias, dignas de um foguetório do emblemático 4 de julho estadunidense, e a dar causa a um incêndio de grandes proporções.

E, a esse respeito, a legislação pertinente é clara ao dispor que todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem — tal como o nosso provavelmente já não tão bom homem —, além de cometer ato ilícito (CC, art. 186), tem a obrigação de reparar todos os danos daí decorrentes (CC, art. 927).

É importante ressaltar que o valoroso Corpo de Bombeiros, em eventos dessa natureza, não tem qualquer responsabilidade pelos eventuais danos porventura ocasionados a terceiros, durante a heroica e obstinada ação de combate ao fogo. E isso porque tal conduta, cuja finalidade é a remoção de perigo, situa-se no campo das excludentes de responsabilidade (CC, art. 188, inciso II), cabendo ao eventual lesado, que sofreu algum tipo de prejuízo, buscar ressarcimento perante o terceiro causador do dano (CC, arts., 929 e 930).

Nessa toada, imagine um outro exemplo, em que um criminoso, ao empreender uma fuga mirabolante, ateia fogo em um imóvel, com a finalidade de desviar a atenção e comprometer os esforços das autoridades policiais que o perseguem. Nesse caso, o infeliz proprietário desse imóvel é tão vítima quanto os respectivos vizinhos, cujos bens também foram destruídos por conta desse incêndio criminoso. Nesse caso, não há para esse infeliz proprietário o dever de indenizar, já que inexiste nexo de causalidade entre a conduta dele e os prejuízos sofridos pelos seus vizinhos. Para efeito de responsabilidade civil, impõe-se a existência de um vinculo entre a conduta culposa ou dolosa do ofensor e o prejuízo causado. Diferentemente do que ocorreu com o bom homem — cuja conduta culposa deu causa ao evento danoso e aos consequentes prejuízos sofridos pelos respectivos vizinhos —, temos no exemplo do criminoso dois fatos sem qualquer conexão entre si, os quais, isoladamente, sem vinculação de causa e efeito, não têm o condão de ensejar a responsabilização do infeliz proprietário pelos prejuízos sofridos por terceiros, em decorrência desse incêndio criminoso.

O mesmo ocorre naquelas hipóteses em que o dano é proveniente de caso fortuito ou força maior (cf. CC, § único do art. 393). Um exemplo clássico disso é o abalo sísmico de notável intensidade. Em casos assim, não há que se falar, também, em responsabilização dos proprietários de imóveis, cujos escombros flamejantes, projetados a esmo pela força violenta da natureza, causaram danos aos respectivos vizinhos. E a razão disso é sintomática: não há nesse tipo de evento relação de causa e efeito entre a conduta desses proprietários e os prejuízos sofridos por terceiros.

Há, contudo, hipóteses em que, mesmo não havendo culpa do proprietário, mesmo assim ele responde pelos danos causados em prédios vizinhos. E isso se dá por conta da própria natureza da atividade por ele executada. Imagine, por exemplo, um fabricante de explosivos cuja fábrica explode, incendiando e destruindo, inclusive, imóveis da vizinhança. Ainda que esse fabricante não tenha agido com dolo ou culpa, ou mesmo que não tenha se descurado das cautelas inerentes a respectiva atividade, tampouco da manutenção do respectivo sistema de prevenção e combate a incêndios, ainda assim, por força da sua atividade, a responsabilidade, em virtude da legislação pertinente, é objetiva, cabendo-lhe indenizar todos os danos e prejuízos decorrentes desse tipo de evento, independentemente de dolo ou culpa (CC, § único do artigo 927).

É importante ressaltar, por fim, que em questões dessa natureza caberá à vitima, apenas e tão somente, provar a relação de causalidade entre o dano por ela experimentado e o evento danoso. Todavia, se ela tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

José Ricardo Armentano
Advogado no Escritório Morad Advocacia Empresarial

 

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