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3 de abril de 2023 | Morad

O CONDÔMINO ANTISSOCIAL

O CONDÔMINO ANTISSOCIAL

Uma das questões mais delicadas no âmbito do condomínio edilício é, sem dúvida nenhuma, o
condômino antissocial.

De uma forma bem simplista, é possível definir o condômino antissocial como a pessoa cujo
comportamento nocivo e reiterado torna incompatível a convivência no ambiente
condominial.

O Poder Judiciário do Estado de São Paulo, recentemente, ao apreciar em primeira instância
esse tipo de questão, houve por bem expulsar um morador do condomínio edilício onde ele
morava, em razão da respectiva conduta antissocial, consistente na importunação sexual de
moradoras, intimidações físicas e xingamentos, inclusive racistas e homofóbicos, contra
síndico, funcionários e demais moradores (cf. TJ-SP, 1018463-65.2021.8.26.0477).

E a primeira coisa que vem à mente, ao nos depararmos com esse tipo de notícia, diz respeito
à possibilidade de expulsão do condômino inconveniente, que perturba o sossego e que causa
mal estar à comunidade condominial.

Mas, afinal, isso é mesmo possível? E a resposta para essa indagação não é tão simples assim.
Imagine, por exemplo, um condomínio predominantemente habitado por torcedores de um
determinado time de futebol, que não toleram as esfuziantes comemorações de um morador
que torce justamente para um time adversário. Ou, ainda, imagine aquela moradora que
acorda cedo e liga o seu barulhento chuveiro elétrico todos os dias para tomar um estimulante
banho quente, e depois utiliza o seu estrondoso “hiper mega blaster” liquidificador para fazer
a habitual e nutritiva vitamina matinal, antes de sair para o trabalho. Ou, então, aquele
condômino que adora degustar um saboroso bourbon proveniente de Bardstown, no
Kentucky, e fumar, ao final de cada tarde, um puro e genuíno habano no terraço de seu
apartamento, sem se importar se o vizinho ao lado gosta — ou não — do peculiar e
característico aroma daí proveniente. Ou mesmo aquela vovozinha simpática, que adora
brincar todos os dias com o seu valente e estridente Pinscher chamado Totó.

Convenhamos, não é todo mundo que tem sensibilidade e paciência para tolerar essa gama
variada de experiências sensoriais, principalmente quando se trata dos latidos do simpático
Totó.

Mas, ainda assim, será que esses motivos são significativamente suficientes para ensejar a
expulsão de um condômino no âmbito da comunidade condominial?

E a resposta é muito simples: é claro que não! Esses eventos devem ser tratados no âmbito da
razoabilidade, em conformidade com as boas regras de civilidade e convivência, e sob a luz do
regulamento interno do condomínio.

Já a expulsão do condômino antissocial é uma medida drástica, excepcional, que somente
deve ser aplicada após deliberação assemblear a esse respeito, e diante da prática reiterada de
atos graves e abusivos, prejudiciais ao sossego, à saúde, à segurança ou mesmo aos bons
costumes, capazes de ocasionar constrangimento coletivo e consequente incompatibilidade de
convivência com a comunidade condominial.

Aliás, segundo a legislação que regula essa matéria, tanto o condômino quanto o possuidor
que, reiteradamente, comportar-se de modo antissocial, de modo a tornar incompatível a
respectiva convivência com os demais condôminos, sujeitar-se-á ao pagamento de multa e
eventuais outras medidas a serem deliberadas em assembleia (cf. CC, art. 1.337, § único).

Dessa forma, ainda que habitual, não é qualquer incômodo que é passível de caracterizar a
conduta antissocial. Conforme salientado anteriormente, o ato deve ser grave, abusivo e
reiterado, capaz de constranger e tornar incompatível a respectiva convivência com os demais
moradores do condomínio.

São exemplos desse tipo de conduta a prática de atos ilícitos, o atentado violento ao pudor, a
prostituição, o tráfico de drogas, a violência, as agressões e as ameaças aos demais
condôminos, ao síndico e aos funcionários do condomínio, dentre tantos outros.

Na mencionada decisão de primeira instância, por exemplo, foi determinada a expulsão de
morador em razão da respectiva conduta reiterada e antissocial, consistente na importunação
sexual de moradoras do condomínio, intimidações físicas e xingamentos, inclusive racistas e
homofóbicos, perpetrados contra síndico, funcionários e demais moradores etc.

Foi destacado, nessa decisão, que todas as medidas punitivas, tais como advertências e
multas, tomadas com a finalidade de estimular ou até mesmo a coagir o condômino infrator a
abster-se de práticas contrárias a boa convivência, não surtiram efeito.

Assim, diante desse tipo de panorama, o respectivo magistrado, levando em conta que cabia
ao condômino infrator utilizar a sua unidade e as partes comuns sem prejudicar os demais
moradores, e tendo em vista que o direito de propriedade não é absoluto, vez que a
propriedade deve cumprir a sua função social e o respectivo uso não deve ser exercido de
forma abusiva, mas, sim, dentro de um padrão de normalidade, houve por bem expulsá-lo do
condomínio, inclusive mediante remoção forçada, com o emprego de força policial, caso
necessário.

Trata-se, à evidência, de uma decisão proferida em primeira instância e que poderá, inclusive,
ser modificada nas instâncias superiores. Apesar disso, esse é o entendimento que vem sendo
consolidado em nossos tribunais a respeito dessa matéria, onde o direito de propriedade não
prevalece quando o comportamento grave, reiterado, antissocial e contumaz do proprietário,
possuidor ou ocupante põe em risco a saúde, a segurança e a tranquilidade da comunidade
condominial.

José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL