Antonio Carlos Morad
Publicado no DCI, dia 1 de julho de 2014
Mudanças sociais de todo gênero são comuns no caminhar da humanidade. Para acompanhar a evolução social, sempre haverá a constância da transformação, seja de ideias, de costumes, de normas, e outras tantas que percebemos ao longo da vida. A estrutura legal brasileira vem sendo renovada, de forma constante e maciça, pois é certo que isso ocorre muito mais nos países em crescimento como o nosso, fato importante e incontroverso, pois a humanidade caminha a passos largos com modificações e transformações sociais óbvias e fáceis de se verificar. Mas, algo que causa um claro e importante incômodo em nossa sociedade são os antigos decretos advindos da ditadura militar e que, de certa forma, para que fossem recepcionados pela nova Constituição Brasileira, nossos legisladores acabaram por reintroduzir.
Em especial, rememorar um emblemático decreto da ditadura militar: o Decreto 911/1969, que “Altera a redação do art. 66, da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária e dá outras providências.” Segundo o texto: “Os ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, usando das atribuições que lhes confere o artigo 1º do Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, decretam: (…) Não diferente do impacto que causa o fragmento do Decreto acima, também é a norma adaptada, praticamente da mesma forma aos dias de hoje pelas Leis 9.514/97 e 10.931/04”.
Essas leis admitem a possibilidade de uma instituição financeira passar para seu nome o bem de um cidadão, consumidor, contribuinte (como garantia), seu imóvel ou móvel, podendo, caso esse devedor não liquide o débito com a instituição, ser vendido para terceiros de forma sumária e com a conivência lícita da Lei, com o perdão da redundância. Existem milhares de casos assim, absurdos e lesivos, pois os bens garantidores de quaisquer débitos contraídos junto a instituições financeiras são infinitamente e superadamente mais valiosos do que o valor emprestado. Isso posto, dá o direito à instituição de liquidar o bem pelo valor garantido.
Mas se essa é a regra, isso pode ser discutido? Sem sombra de dúvidas! Vários são os Princípios Constitucionais que vêm sendo aviltados com essas medidas “legais” tresloucadas.
Podemos citar o Princípio da Dignidade Humana (Artigo 1º, inciso III, CF), que certamente é atingido pela norma em questão. E onde está presente essa afronta? No respeito que todos merecemos perante a resposta do Estado em permitir que alguém, com apoio de uma Lei incomum, possa saquear nossos bens efetivamente e sem defesa. Tais bens atingidos são de enorme relevância social. São imóveis bens de famílias, imóveis rurais de pequenos e médios agricultores, imóveis da pequena e média empresa, veículos de trabalho, entre outros. Outro princípio afrontado é o do Enriquecimento Sem Causa, pois a instituição financeira toma para si o bem por valor abissalmente menor do que o valor real para liquidar débito infinitamente menor ao tanto que vale aquele bem dilapidado.
Ainda, não menos importantes estão presentes os Princípios da Proteção do Devedor, da Proporcionalidade, entre outros que se enquadram milimetricamente ao caso em questão. O grande elã dessa “armadilha” está contido na possibilidade da instituição tomar definitivamente o imóvel, pelo valor da dívida e vender para terceiros (artigo 1.364 e 1.365 do CC) pelo preço que achar “conveniente”, sendo que muitas vezes aquele bem tem valor infinitamente superior ao débito contraído. Demonstração de enriquecimento sem causa e, uma enorme e ardilosa armadilha para aqueles que pensam em gerar divisas para o País. ‘
O artigo 1.364 do Código Civil Brasileiro deixa frouxa e a mercê do credor a condição e condução do ato de liquidação. Certamente, a alienação fiduciária seria justa se a norma tivesse requintes de proteção e licitude quanto à inadimplência e a liquidação do bem.
Mas vemos todos os dias, pessoas perdendo seus imóveis por valores vis e injustos. A possibilidade de escolha entre vender o bem alheio pela forma “judicial ou extrajudicial” oferece uma facilitação indevida que pode gerar dúvidas. O que pode ser manipulado para que possa gerar lucros indevidos e ilegais. Não devemos descrer nem duvidar do sistema, mas devemos atuar fortemente junto a eles. Devemos apresentar veementemente nossas indignações e inconformidades para que sintam nossa presença. Em algum momento, pela repetição, modificaremos e consertaremos os erros e deslindes desses que se sentem poderosos e dominadores da maioria.