Surgidas na América do Norte, mais especificamente nos Estados Unidos (EUA) nos idos de 1967, são uma forma de expressão de autonomia e dignidade daqueles em estado de saúde irreversível
Imagine uma situação em que um paciente, hospitalizado e gravemente enfermo, consciente sobre o seu estado de saúde e sobre as perspectivas de seu tratamento, esteja extremamente preocupado com o comportamento emocional dos entes queridos que o cercam nesse delicado quadro. É justamente nesse cenário que entra a diretiva antecipada de vontade — DAV.
Diante de tal cenário, o paciente estará provavelmente ainda mais aflito com as decisões que, seus entes dominados pela emoção tomarão quando ele estiver incapacitado e não puder expressar a sua vontade de forma livre e autônoma, do que propriamente com a sua recuperação; além da preocupação com a enfermidade em si.
As DAV, como forma de expressão de autonomia e de vontade do paciente, surgiram na América do Norte, mais especificamente nos Estados Unidos (EUA), nos idos de 1967, quando passou a ser defendida a possibilidade do próprio paciente manifestar-se sobre o término da sua vida, de forma prévia e expressa, nos casos em que há constatação de irreversibilidade de um quadro clínico incapacitante.
De modo geral, podemos dizer que uma diretiva antecipada de vontade nada mais é do que uma manifestação unilateral e escrita, por meio da qual o declarante, maior e capaz, manifesta antecipadamente a sua vontade; de forma consciente, autônoma e esclarecida, a respeito dos cuidados e tratamentos de saúde que deseja ou não receber. Isto é, caso se encontre, independentemente do motivo ou razão, incapaz de manifestar a respectiva vontade de forma livre e autônoma.
Vale dizer que as DAV são uma forma que uma pessoa tem de documentar os seus desejos, isto é, de manifestar previamente a sua vontade quanto aos cuidados médicos e tratamentos que deseja receber quando não mais puder fazer isso de modo consciente. Nessa toada, é possível inferir que esse tipo de medida tem por finalidade primordial facilitar o entendimento da equipe hospitalar sobre a vontade do paciente, em especial sobre aquilo que ele deseja e o quê não quer na ocasião em que estiver incapacitado de manifestar, de forma livre e autônoma, a sua própria vontade.
Além disso, é importante ressaltar que o paciente, por meio do Mandato Duradouro*, um tipo de documento tido como um desdobramento das DAV, poderá, inclusive, nomear um procurador para tomar essas decisões em caso de incapacidade, o mandatário poderá indicar escolhas, tanto no âmbito ordinário quanto empresarial.
Sobre essa questão, é de se indagar: e quando houver divergência de entendimento entre o procurador e os parentes ou cônjuge do paciente? Bem, nesse caso, prevalece a manifestação do procurador, cabendo ao Poder Judiciário dirimir a respectiva questão em caso de conflito. Ainda sobre esse tema, se faz importante destacar que há juristas que defendem o entendimento segundo o qual as DAV é gênero do qual o testamento vital é espécie. Para esses estudiosos do Direito, embora apresentem conceitos deveras semelhantes, as DAV e o testamento vital têm entre si algumas diferenças relevantes.
A formalização das DAV deve ser realizada por meio de uma escritura pública lavrada perante um tabelião, com o objetivo de garantir que os desejos do paciente sejam observados enquanto ele estiver vivo, mas incapaz de tomar qualquer tipo de decisão.
Por meio dela é possível, inclusive, nomear um representante para tomar decisões conforme as diretrizes previamente fixadas pelo mencionado paciente. Já o testamento vital é um documento redigido pelo próprio paciente e tem por foco possibilitar a prévia manifestação da vontade dele em relação ao tratamento que deseja receber, caso não possa se manifestar ou tomar decisões por si só a respeito disso. Pela análise desse tema, é possível concluir que, excetuando-se a formalidade cartorária existente entre ambos, não há diferença fundamental capaz de ensejar uma flagrante separação entre a DAV e o testamento vital.
É importante destacar, também, que não há no ordenamento jurídico previsão legal a respeito dessa matéria. Há apenas iniciativas legislativas em andamento, tais como: o PL nº 352/2019 (Alexandre Padilha – PT/SP), foi apensado ao PL nº 3002/2008 e encontra-se, atualmente, em trâmite perante a Câmara dos Deputados; o PL nº 2460/2022 (Deputada Luísa Canziani – PSD/PR) e o PL nº 5.559/2016 (Deputado Pepe Vargas – PT/RS), os quais encontram-se aguardando apreciação pelo Senado Federal; e o PLS nº 493/2020 (Senador Rogério Carvalho – PT/SE), o qual dispõe sobre o Estatuto dos Pacientes e que se encontra, atualmente, em trâmite no Senado Federal.
No âmbito infralegal, contudo, essa matéria é tratada por meio da Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que além de dispor especificamente sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, as define como “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. Confira a íntegra da Resolução do CFM sobre o tema aqui.
Ressalto, por fim, que as DAV, em razão de se constituírem essencialmente em um meio de expressão de liberdade, intimidade e dignidade, se prestam também para outras finalidades além daquelas inerentes aos cuidados e ao tratamento médico daquele que não possa manifestar a sua vontade de forma livre e autônoma. Mais especificamente, a medida comporta, de igual modo, outros tipos de manifestação de vontade, tais como o local onde o paciente terminal deseja morrer — por exemplo, no hospital, em casa etc. —, ou, ainda, sobre a realização de serviço religioso ou até mesmo a indicação das pessoas que ele deseja em seu velório.
Enfim, o recurso constitui importante função destinada a garantir a dignidade humana daquele que, em situação de saúde grave e incapacitante, já não tem, por si só, condições para tomar decisões autonomamente.
José Ricardo Armentano é advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL.
Edição: Dora Scobar