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24 de junho de 2025 | Morad

O TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR NA MARCAÇÃO DE PONTO MALICIOSA

O TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR NA MARCAÇÃO DE PONTO MALICIOSA

Como a conduta maliciosa do empregado pode gerar distorções remuneratórias e como preveni-las por meio de políticas e normas internas.

 

Introdução

 

As relações de trabalho, em razão da sua própria natureza, costumam ser um campo fértil para o surgimento de conflitos. Nesse contexto, um tema que frequentemente gera desconforto no ambiente empresarial é a marcação de ponto de forma maliciosa, com o objetivo de gerar reflexos indevidos na remuneração do trabalhador.

 

Assim, o presente artigo, de forma singela, analisa esse fenômeno à luz da legislação trabalhista, da jurisprudência e da possibilidade de mitigação desse tipo de problema por meio da implementação de políticas internas e normas de conduta claras e razoáveis.

 

 

O Caso Típico

 

Imagine um empregado cuja competência profissional é reconhecida. Ele chega diariamente com antecedência ao local de trabalho, registra seu ponto de entrada, mas somente inicia efetivamente suas atividades laborais no horário contratualmente pactuado com o empregador. Nesse intervalo, dedica-se a assuntos pessoais, sem qualquer relação com a sua função.

 

A repetição dessa prática ao longo de um mês fatalmente resultará no acúmulo fictício de horas extras — indevidamente computadas —, o que acarreta impacto direto na folha de pagamento.

 

Nunca é demais lembrar que as horas extras, conforme o artigo 7º, inciso XVI, da Constituição Federal e o artigo 59 da CLT, devem ser remuneradas com adicional de, no mínimo, 50% sobre o valor da hora normal. Além disso, a habitualidade no pagamento pode incorporar tais valores ao salário, refletindo no cálculo de férias, 13º salário, FGTS, dentre outros encargos.

 

 

A Tentação das Soluções Simplistas

 

Diante de tais distorções, empregadores cogitam medidas como:

 

· Restringir a marcação de ponto antes do início da jornada;

 

· Estabelecer horários fixos de registro;

 

· Automatizar o ponto com base em horários predefinidos.

 

 

Essas práticas, contudo, não encontram respaldo legal. A legislação trabalhista assegura ao empregado o direito ao livre registro de sua jornada (cf. CLT, art. 74, §§ 2º e 3º). Dessa forma, qualquer tentativa de limitar esse direito pode ser considerada ilícita e passível de questionamento judicial.

 

Além disso, o controle de ponto somente é obrigatório para empresas com mais de 20 empregados por estabelecimento (cf. CLT, art. 74, § 2º), o que significa que sua ausência não gera presunção de irregularidade para estabelecimentos menores.

 

 

O Que Diz a Jurisprudência?

 

O conceito de “tempo à disposição do empregador” está previsto no artigo 4º da CLT, mas a sua aplicação não é absoluta. A jurisprudência, de forma harmônica com o princípio da razoabilidade, tem relativizado a contagem de tempo quando o empregado, mesmo estando no local de trabalho, se ocupa brevemente de assuntos pessoais que não comprometem a produtividade.

 

São exemplos tolerados pela jurisprudência:

 

· Atender ligação particular urgente;

 

· Verificar se os filhos chegaram da escola;

 

· Realizar breves pagamentos on-line.

 

Tais atos são compreendidos como situações pontuais, que não descaracterizam a jornada nem justificam descontos salariais.

 

 

O Limite da Tolerância: Conduta Maliciosa

 

Impõe-se esclarecer, no entanto, que essa tolerância não pode ser confundida com autorização tácita para fraudes.

 

O uso reiterado e malicioso de brechas no sistema de marcação de ponto, com o objetivo de inflar artificialmente a jornada, configura má-fé e pode ensejar sanções disciplinares, inclusive a demissão por justa causa, com fundamento no artigo 482, alínea “a”, da CLT.

 

 

O Papel das Políticas e das Normas de Conduta Internas

 

A melhor forma de prevenir tais condutas é por meio de políticas e normas de conduta internas claras e bem comunicadas, que:

 

· Definam expressamente o horário contratual de início das atividades;

 

· Esclareçam que o registro de ponto não substitui o início efetivo da prestação dos serviços;

 

· Estabeleçam a tolerância para situações pontuais e de natureza pessoal;

 

· Prevejam sanções progressivas para abusos, conforme os princípios da proporcionalidade e do contraditório.

Essas normas devem ser amplamente divulgadas aos empregados, preferencialmente com comprovação formal de recebimento, ciência e concordância.

 

 

Conclusão

 

A marcação maliciosa do ponto representa um desafio real para a gestão de pessoal, pois desequilibra a lógica da contraprestação e gera passivos ocultos para a empresa.

 

Nesse contexto, o enfrentamento do problema deve ser conduzido com equilíbrio, legalidade e razoabilidade. A combinação de compliance interno, políticas claras e respeito à legislação trabalhista permite que o empregador trate a questão com firmeza e justiça, promovendo um ambiente de trabalho saudável, ético e produtivo para todos.

 

José Ricardo Armentano / advogado na Morad Advocacia Empresarial

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