A operação Lava Jato deixou clara a falta de controles internos e gestão de riscos nas estatais brasileiras e ainda colocou em dúvida a efetividade da aplicação do Compliance nas empresas privadas.
Para Antonio Carlos Morad, titular da Morad Advocacia Empresarial, “nunca houve interesse para estabelecer um sistema de Compliance competente na Petrobrás ou em qualquer outra empresa estatal no Brasil” e diz que apenas uma minoria de empresas privadas que implementaram oCompliance o utilizam com qualidade.
Morad aponta como maior desafio à implementação do Compliance “a implantação de uma reeducação social no ambiente de trabalho” e a iniciativa dos gestores que “devem tomar iniciativa para que uma mudança de cultura seja aplicada no ambiente profissional da empresa”.
Em entrevista ao Jus Econômico, o especialista defende a implementação do Compliance por todas as empresas e não apenas as de capital aberto eque operações policiais como a Lava Jato não influenciam boas práticas nas empresas, visto que são obrigatórias e muito bem fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
“A Operação Lava Jato será um novo case entre muitos outros. No Brasil já existiram casos bem semelhantes e que não são, ou nunca foram publicados. Casos como o da Monreal, HSBC, Siemens, Alston, Monsanto, e muitos mais. Acredito que a Operação Zelotes é muito mais grave, pois atinge inúmeras gigantes empresas no Brasil, e com atos criminosos contra o Tesouro Nacional que chegam a prejuízos de quase 10 bilhões de Reais”, analisa.
Jus Econômico– A operação Lava Jato trouxe à tona a falta de controles internos e gestão de riscos da Petrobrás e, de acordo com declarações do presidente da Controladoria Geral da União, das empresas estatais. A situação é diferente em empresas privadas?
Antonio Carlos Morad– Na verdade nunca houve interesse em estabelecer um sistema de compliance competente na Petrobrás ou em qualquer outra empresa estatal no Brasil. É certo que devemos estar atentos, digo isso em relação às mudanças que queremos para nossas empresas públicas. Se não fiscalizarmos os atuais novos sistemas e mudanças de segurança em Compliance, existirá uma grande possibilidade de nada mudar. A velha máxima “vamos esperar baixar a poeira”. Quanto às empresas privadas, se fizermos uma análise fria sobre a qualidade do Compliance naquelas que já detém tal sistema, veremos que uma pequena minoria sabe como utilizar e utiliza com qualidade. A grande maioria, não põe em prática ou sequer detém efetivamente um sistema de Compliance.
Jus Econômico- A Lei Anticorrupção é relativamente nova e estabelece que as empresas adotem práticas de Compliance. Além do aspecto técnico para a implementação do Compliance qual o maior desafio para que os procedimentos e controles sejam seguidos?
Antonio Carlos Morad –Respondendo de traz para frente, diria que o maior desafio é a implantação de uma reeducação social no ambiente de trabalho. Mais do que isso, os gestores devem tomar iniciativa para que uma mudança de cultura seja aplicada no ambiente profissional da empresa. Quanto à nova lei, sabemos que apenas empresas com capital aberto tem tal obrigatoriedade, entretanto penso que empresas de capital fechado, e até mesmo pequenas e médias empresas deveriam implantar esse ótimo sistema ético de proteção socio-empresarial.
Jus Econômico – Para que a Lei seja efetiva, acredita que seja necessária também a mudança no cenário em que figuram as empresas públicas e privadas, o governo e o modelo de administração pública?
Antonio Carlos Morad –Todos cremos que o País precise passar por uma mudança profunda. A ética é o mote principal. Mas sabemos também que para isso ocorrer, precisaríamos de muitos anos de trabalho com modificações estruturais, nas escolas e universidades, sem se esquecer do meio social. Isso demandará décadas até que tenhamos resultados eficientes, e talvez muito mais tempo do que isso, para alcançarmos algum grau de excelência. Mas temos que começar imediatamente e efetivamente a mudar esse cenário.
Jus Econômico- Acredita que a Lei Anticorrupção e até mesmo a Operação Lava Jato contribuam para a mudança desse cenário?
Antonio Carlos Morad –A Operação Lava Jato não mudará esse cenário, muito menos a nova legislação. O que pode mudar essa conduta social nefasta em nosso País é uma nova postura com mentalidade pró-ativa quanto à ética e a conduta dessa sociedade. Lembro que toda a sociedade, hoje, está corrompida, vemos isso em todos os lugares e em todos os setores.
Jus Econômico- Antes da Lei Anticorrupção já havia a modelo da governança corporativa que estabelece a obediência às leis do País por meio dos controles previstos no Compliance. Como era a visão das empresas frente à governança e o que mudou após a Lei Anticorrupção?
Antonio Carlos Morad – A Governança Corporativa existe há muito mais tempo do que a Lei Anticorrupção, sendo cada País com sua peculiaridade. Nos EUA o FCPA (Foreign Corrupt Practices), já alcançava empresas atuantes no Brasil com relações naquele país, portanto, a efetividade sobre punições exercidas sobre os Estados Unidos sempre foi algo preocupante, tanto porque as penalidades que eles impõem seriam muito mais sérias e destrutivas para qualquer empresa corrupta. A Petrobrás, por exemplo, não escapará dessa instituição, mesmo sendo estrangeira.
Jus Econômico –Que efeitos a operação Lava Jato poderá ter (ou já tem) sobre as empresas no que se refere aos controles, boas práticas que busquem coibir ilícitos?
Antonio Carlos Morad –Boas práticas não dependem de operações policiais. Elas são obrigatórias e são muito bem fiscalizadas pela CVM. A Operação Lava Jato só cria mais um tema de estudo entre tantos outros existentes no mundo, que por sinal não são poucos.
Jus Econômico – Qual o legado da Lava Jato no que se refere à abertura de precedente no Judiciário com relação à corrupção nas empresas?
Antonio Carlos Morad –Como disse, a Operação Lava Jato será um novo case entre muitos outros. No Brasil já existiram casos bem semelhantes e que não são, ou nunca foram publicados. Casos como o da Monreal, HSBC, Siemens Alston, Monsanto, e muitos mais. Acredito que a Operação Zelotes é muito mais grave, pois atinge inúmeras gigantes empresas no Brasil, e com atos criminosos contra o Tesouro Nacional que chegam a prejuízos de quase 10 bilhões de Reais.
Jus Econômico – Gostaria de acrescentar algo ao assunto?
Antonio Carlos Morad –Sim, gostaria de lembrar e enfatizar que não sentimos que empresas estejam buscando se preparar para essa “nova era”. O Brasil ainda está longe de uma condição fiscalizatória (interna) apropriada e creio que isso demandará muito mais tempo do que pensávamos.