Mas, afinal, o que é um pródigo? E a resposta para isso tem origem na palavra latina prodigere, cujo significado é, em linhas gerais, dissipar, desperdiçar. Assim, pródigo, na acepção jurídica dessa palavra, é aquele que dissipa imoderadamente, que desperdiça desordenada e inconsequentemente, isto é, sem uma finalidade útil, a respectiva renda, o respectivo patrimônio, de modo a colocar em risco a própria subsistência e a respectiva dignidade.
É importante ressaltar que a legislação pertinente não define um critério específico para a caracterização do pródigo, cabendo ao juiz, ao analisar os casos envolvendo prodigalidade, decidir a esse respeito, levando em conta, para tanto, as condições psíquicas — atestadas por uma perícia médica —, as condições sociais e econômicas, as características pessoais, habilidades, vontades e preferências do “candidato”.
Imagine, por exemplo, um próspero e bem sucedido sexagenário fazendeiro, proprietário de vários haras destinados ao aprimoramento de cavalos árabes, com uma fortuna pessoal estimada na casa dos milhões de dólares, que, após a viuvez, resolve abandonar a vida espartana e levar, daí em diante, uma vida suntuosa, cercado de belas e jovens mulheres, presenteando-as periódica e sistematicamente com modestíssimos mimos, tais como cavalos puro sangue ou simplórias quantias na ordem dos cinquenta mil dólares. Convenhamos, por mais extravagante que isso tudo possa parecer, principalmente se levarmos em conta que essas mulheres, lindíssimas e apaixonadas — ao que tudo indica, pelo dinheiro do fazendeiro —, muito provavelmente iriam preferir um simples cavalinho rampante da Ferrari do que propriamente um alazão árabe, ainda assim, tanto esse modus vivendi suntuoso, quanto essa imoderada generosidade, jamais poderiam ser considerados elementos caracterizadores de uma preocupante prodigalidade, vez que, nesse caso, estão inseridos em um contexto onde as condições sociais, a fortuna pessoal, a higidez mental e até mesmo os respectivos aspectos culturais desse personagem permitem esse tipo de comportamento.
Imagine, ainda, outro exemplo, em que uma — très chic — executiva de uma empresa multinacional passe a comprometer, de uma hora para a outra e de modo sistemático, não apenas a integralidade dos respectivos salários, mas, também, o seu patrimônio e os respectivos rendimentos futuros, para a aquisição compulsiva de bolsas e sapatos das grifes Louis Vuitton, Hermès, Prada, dentre outras, que fariam a descolada it-girl Olivia Palermo morrer de inveja. Esse tipo de comportamento, desenfreado, compulsivo e inconsequente, cujo resultado será um iminente estado de miserabilidade é, sem dúvida nenhuma, considerado um sério caso de prodigalidade.
Imagine, por fim, um bon vivant, que mantém um padrão de vida muito além dos respectivos rendimentos financeiros, vestindo-se segundo as últimas tendências da moda, frequentando caros restaurantes, apreciando los mejores puros habanos, degustando nos finais de semana um bom Tannat uruguaio ou um saboroso Malbecargentino, e viajando frequentemente às custas de um geometricamente progressivo endividamento bancário. Ou, então, um pai que, esperançosamente, passa a comprometer toda a sua renda e empenha a integralidade do seu patrimônio para custear o tratamento de um amado filho, recentemente diagnosticado com um câncer em estado terminal. Apesar desses copiosos gastos superarem as condições, tanto financeira quanto patrimonial, do bon vivant e do zeloso pai, de modo a condená-los a um iminente e crítico estado de miserabilidade, ainda assim tais personagens não podem ser considerados pródigos, já que o comportamento deles não decorre essencialmente de problemas mentais, tal como no exemplo da executiva, cuja compulsão por sapatos e bolsas é patológica. Tratam-se, na realidade, de casos de endividamento extremado, decorrentes da acumulação, no âmbito da boa fé, de dívidas oriundas de relações de consumo ou de situações imprevistas e perversas, tais como aquelas vivenciadas, respectivamente, pelo bon vivant e pelo zeloso pai.
Não se sabe, ao certo, se a prodigalidade é um mero desvio comportamental, um transtorno da personalidade ou uma psicopatologia, porém, se nada for feito para remediar e proteger o pródigo do seu desvairado ímpeto esbanjador, certamente ele reduzirá a si — e no mais das vezes o próprio núcleo familiar — à mais completa miséria, de modo a comprometer não apenas a própria subsistência, mas a respectiva dignidade também.
Mas o que fazer, então, em casos dessa natureza? Uma fervorosa novena para a Nossa Senhora Desatadora de Nós? Ou, então, uma vigorosa “sessão descarrego”, comandada por algum líder espiritual messiânico contemporâneo? Ou, quem sabe, florais de Bach ou alguma miraculosa panaceia homeopática do Dr. Alberto Seabra?
Convenhamos, por mais milagrosas ou engenhosas que possam ser as alternativas cogitadas para a remediação da prodigalidade, o que realmente o pródigo necessita, além de auxílio médico, é de proteção jurídica por meio de um processo de interdição e a consequente curatela (cf. art. 1.767, inciso V).
A interdição por prodigalidade é um remédio jurídico que tem por finalidade proteger o patrimônio do pródigo, enquanto ele não possuir condições de exprimir a respectiva vontade em sua plenitude, com equilíbrio e discernimento (CPC, art. 747).
Tal incapacidade, inserida no âmbito das incapacidades relativas, deverá necessariamente ser comprovada por meio de perícia médica (CPC, art. 753), a qual, juntamente com todos os demais elementos fáticos que envolverem a questão, servirá de base para que o juiz decida sobre a necessidade de interdição judicial.
Verificada essa necessidade, será nomeado um curador, que poderá ser o próprio requerente da interdição (CPC, art. 755, I). Caberá ao juiz, de acordo com as circunstâncias, fixar os respectivos limites da interdição (CPC, art. 755, I e II). Consequentemente, o pródigo passará a ser assistido por um curador sempre que pretender emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, enfim, praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração (CC, art. 1.782). É importante ressaltar que, enquanto perdurar a interdição, o pródigo poderá praticar normalmente todos os demais atos da vida civil. Além disso, a curatela será levantada quando cessar a causa que a determinou (CPC, art. 756).
A interdição poderá ser promovida pelo cônjuge, pelo companheiro ou pelos respectivos parentes (CPC, art. 747, I e II). Na falta, na inércia ou na incapacidade dessas pessoas, a interdição poderá ser promovida pelo Ministério Público, contudo, apenas nos casos envolvendo doença mental grave (CPC, art. 748, I e II).
Processos de interdição por prodigalidade, além de traumáticos para todas as partes envolvidas, demandam extrema cautela para quem os julga, mesmo porque não é incomum a formulação de pedidos que, embora revestidos de uma aparente motivação social, são, na realidade, motivados pela ganância e pela ambição desmedida. Por isso, necessário se faz discernir, de um lado, se aquele que está sendo submetido à interdição deve, realmente, ser interditado, e, de outro, se aquele que exercerá a curatela possui competência, honestidade e retidão de caráter para lidar com os recursos financeiros do interditado. Assim, caberá ao juiz, após criteriosa análise, atribuir a curatela a quem melhor possa atender aos interesses do curatelado (CPC, art. 755, parágrafo primeiro). Em casos de justificada urgência, poderá ser nomeado um curador provisório durante o processo de interdição (CPC, art. 749, parágrafo único).
Evidencia-se, portanto, que nem todas as pessoas que têm gastos excessivos podem ser consideradas pródigas e, consequentemente, sujeitas à curatela. Os casos ilustrativos do fazendeiro, do bon vivant e do pai são um exemplo disso. Por mais que os respectivos filhos possam, eventualmente, reprovar a vida de excessos do pai fazendeiro, ainda assim não poderão, sob o fundamento da prodigalidade, invocar tutela jurídica destinada a resguardar para eles eventual herança futura. Aliás, em caso semelhante, o Poder Judiciário já se manifestou nos seguintes termos: “eventual má gestão na administração dos negócios não autorizam o deferimento da drástica medida. Tampouco o envolvimento afetivo com pessoa mais jovem, cuja influência não justifica a privação de o interditando administrar os seus bens” (TJ-RS, Agravo de Instrumento 70015556251; Rel. Des. Dr. Luiz Ari Azambuja Ramos; j. 10/08/06). Ou ainda, por mais preocupantes que sejam as situações do bon vivant e do zeloso pai, ainda assim, por não decorrerem de um de
svio comportamental, não são passíveis de serem inseridas no campo prodigalidade.
Porém, o exemplo da executiva, que gasta imoderada e compulsivamente todos os seus recursos financeiros, com a fútil e frenética aquisição de bolsas e sapatos, é um típico caso onde a interdição se faz necessária, com a consequente nomeação de um curador.
Em síntese, a interdição e a consequente curatela são remédios jurídicos destinados a preservar a dignidade da pessoa humana, inclusive, conforme o caso, o próprio núcleo familiar, mediante a proteção e assistência na gestão do patrimônio e dos recursos financeiros de quem não está — temporária ou definitivamente — apto a geri-los de forma plena, e a impedir um iminente estado de miserabilidade, caso nenhuma providência seja tomada para evitar tal situação!
José Ricardo Armentano