Confesso que vivi! — “confessou” o célebre poeta chileno Pablo Neruda em sua obra Confiesso que he vivido, publicada postumamente em 1974. Jamais confessarei! — provavelmente é o que deve ter passado pela cabeça do cineasta italiano Sergio Leone, ao ser acusado, pela Toho Productions, de que o seu filme Per um Pugno di Dollari era uma mal disfarçada cópia de um outro filme chamado Yojimbo, do icônico e insuperável mestre da sétima arte Akira Kurosawa.
Mas afinal, o que é a confissão? Qual a sua importância? É o que veremos a seguir.
Genericamente falando, a confissão nada mais é do que a admissão de um fato. Porém, sob a óptica jurídica, a confissão tem um matiz diferente daquela simples admissão que um obeso penitente faz, por exemplo, em confissão a um sacerdote da Paróquia Santo Inácio de Loiola, sobre os excessos gastronômicos cometidos durante um final semana, repleto de hambúrgueres — que fariam o Professor Pasquale corar de inveja —, batatas fritas e milk-shakes de chocolate! Por se tratar de um meio de prova para os atos jurídicos (CC, art. 212, inciso I), só se considera confissão a admissão de um fato contrário ao interesse do respectivo declarante, em um contexto de conflito de interesses (CPC, art. 389).
Assim, por mais poética que seja a confissão de Neruda, provavelmente idealizada no último pavimento de La Sebastiana sob o acalanto de uma suave brisa proveniente do Pacífico, ou, então, por mais redentora que possa ser uma confissão realizada com um tremulante rosário entre os dedos e em total genuflexão perante um confessionário da igreja católica, ainda assim as admissões delas provenientes não têm, em regra, significância no mundo jurídico. Porém, se o afamado rei do western spaghetti tivesse, desde o início, confessado que a sua real intenção, apesar de ter copiado do filme japonês uma coisinha aqui, outra ali, era apenas homenagear, de forma singela, o genial cineasta japonês, talvez teria sido possível resolver todas as questões daí decorrentes em seus nascedouros e evitar o iminente litígio — que acabou se concretizando tempos depois. Nessa hipótese, a confissão ocorreria em um contexto litigioso e versaria sobre um fato contrário ao interesse do mencionado cineasta italiano.
Mas não é só isso! A confissão possui particularidades que merecem ser destacadas. Mais especificamente, ela pode ser espontânea, ou seja, por iniciativa da própria parte (CPC, art. 390 e respectivo § 1º), ou provocada, isto é, decorrente de um depoimento pessoal em juízo. (CPC, art. 390 e respectivo § 2º). Também pode ser judicial, quando produzida em juízo, ou extrajudicial, quando produzida fora dele (CPC, art. 389). Além disso, pode ser real, ou seja, quando efetivamente realizada por aquele que confessa, ou pode ser ficta, isto é, decorrente de uma ficção jurídica, na qual se reputa algo verdadeiro em virtude da revelia, da falta de comparecimento a um depoimento pessoal ou da recusa em depor (CPC, art. 344). Aliás, a esse respeito, já foi dito algures que a o silêncio é a mais eloquente das confissões.
Por se tratar de um ato de disposição, a confissão, para ser válida, requer agente capaz (CC, art. 213; CPC, art. 392, § 1º). Assim, as pessoas absolutamente incapazes, tais como menores, deficientes mentais etc., não têm capacidade para confessar.
Oportuno se faz ressaltar que a confissão poderá ser feita, inclusive, por um representante, desde que ele tenha poderes especiais para tanto. Nesse caso, aquele que confessa deverá indicar precisamente os fatos que serão confessados em juízo por meio de um representante especialmente constituído para essa finalidade (CC, art. 213, § único; e CPC, art. 390, § 1º).
A confissão é, em tese, irrevogável, mas poderá ser anulada se porventura decorrer de erro de fato ou de coação (CC, art. 214; e CPC, art. 393). Ora, se a confissão é conhecida como a rainha das provas, a lâmina de um sabre japonês, nesse contexto, muito provavelmente deve ser o rei dela! Convenhamos, se o mencionado cineasta italiano, por exemplo, logo no início do litígio, tivesse confessado o plágio da obra de Kurosawa em virtude do apoio moral proveniente de um aterrorizante ronin empunhado uma sibilante katana, tal confissão, à evidência, seria totalmente viciada e, portanto, imprestável, vez que obtida mediante coação.
Uma outra particularidade da confissão digna de nota reside no fato dela ser indivisível, ou seja, a parte que a invocou como prova não poderá aproveitar somente os respectivos aspectos favoráveis, e desprezar, marotamente, todos os demais aspectos porventura desfavoráveis (CPC, art. 395).
Os principais efeitos da confissão se dão no âmbito processual. Mas especificamente, se de um lado a confissão implica abdicação do direito de produzir prova sobre o fato confessado, por outro lado, consequentemente, implica liberação da parte contrária quanto ao ônus de provar o fato confessado (CPC, art. 374, II).
De tudo aquilo que foi dito, qual é, afinal, a importância da confissão?
Ora, qualquer que seja o prisma invocado, a confissão ocupa um lugar de destaque no âmbito das relações humanas! Não é à toa que Santo Agostinho dizia, com propriedade, que a confissão das más ações é o primeiro passo para a prática das boas ações. Além dela aliviar o peso moral de quem confessa, é de igual modo redentora ao olhos do Criador — qualquer que seja a forma como Ele possa ser concebido!
Especificamente sob o prisma jurídico, a confissão enseja importantes efeitos no âmbito processual. Conforme já salientado, ela é considerada a rainha das provas, vez que tem o condão de consolidar a verdade — seja ela real ou ficta — sobre um fato, de modo a liberar o adversário litigante quanto ao ônus de prova-lo em juízo.
Jose Ricardo Armentano
Advogado no Escritório Morad Advocacia Empresarial