Pois é! Se a confusão, no âmbito das trapalhadas do saudoso trio formado por Moe Howard, Larry Fine e o divertido Curly Howard, proporciona riso e diversão, no sério e coerente mundo jurídico ela tem consequências bem diferentes, já que é considerada uma modalidade de extinção das obrigações pela nossa legislação ordinária.
Segundo o Código Civil Brasileiro, extingue-se a obrigação quando houver, em um único sujeito, confusão quanto às qualidades de credor e devedor (cf. CC, artigos 381 a 384).
Nessa toada, ainda que aquela deslumbrante e vaidosa esposa, sentindo-se credora — por conta das agruras da vida conjugal — afirme ao perplexo marido, com todas as letras, que devia a si mesma um mimoso scarpin da Dolce & Gabbana e que, por uma questão de princípios e de rigorosos valores morais, não tolera dever para ninguém, inclusive para si própria, tal circunstância, mesmo assim, não configura, sob o prisma da legislação ordinária, a chamada confusão, cuja consequência é a extinção da obrigação. No exemplo em questão, se houve confusão, certamente ela ocorreu no âmbito do discernimento dessa bela esposa, cuja impulsividade consumista, além de ensejar uma expressiva dívida em dinheiro, perturbou irremediavelmente a ordem e o equilíbrio das finanças do casal.
Impõe-se ressaltar que a confusão prevista pela legislação pertinente é a “subjetiva”, na qual as qualidades de credor e de devedor se fundem em uma única pessoa.
Necessário se faz ressaltar, também, que esse tipo de confusão não é incomum, tampouco uma coisa do outro mundo. Imagine, por exemplo, uma pessoa jurídica credora que realiza uma operação de fusão com uma outra pessoa jurídica que é sua devedora, ou, então, um devedor que, convenientemente, digo, apaixonadamente, se casa com a respectiva credora sob o regime de comunhão de bens. Nessas hipóteses, as obrigações que ensejaram esses créditos, em face da confusão existente entre os respectivos credores e devedores, se extinguem (cf. CC, art. 381). Aliás, a esse respeito, é importante ressaltar que não basta apenas a reunião das figuras do credor e do devedor em uma só pessoa para a caracterização da confusão. Impõe-se, para que haja tal caracterização, a reunião dessas qualidades em relação a uma mesma obrigação, bem como a impossibilidade de distinção entre os patrimônios do credor e do devedor.
A confusão, de acordo com a legislação pertinente, poderá ser total ou parcial (cf. CC, art. 382). Ela será total quando o devedor se tornar credor da totalidade da dívida. Imagine, por exemplo, um filho que deve para o próprio pai. Se esse pai morrer e deixar o filho como único herdeiro, a respectiva dívida se extinguirá, nesse caso, por inteiro. Contudo, será parcial quando ocorrer apenas a extinção de parte dela. Nessa hipótese, imagine que um devedor tenha assumido a obrigação de pagar determinada quantia em dinheiro ao respectivo credor e que ele, lá pelas tantas, tenha concomitantemente se tornado credor, porém, de quantia equivalente a 50% dessa dívida. Nesse caso, a confusão será parcial, de modo que a dívida desse devedor se extinguirá parcialmente, remanescendo para ele apenas e tão somente a obrigação de pagar os 50% remanescentes.
Nas obrigações solidárias aplica-se essa mesma sistemática. Segundo a legislação pertinente, a confusão havida na pessoa do credor ou devedor solidário só extingue parcialmente a obrigação até a concorrência da respectiva parte no crédito, ou na dívida, subsistindo quanto ao mais a solidariedade (cf. art. 383). Vamos imaginar que um camarada chamado Athos, juntamente com dois outros camaradas chamados Porthos e Aramis, sejam solidariamente devedores de um tal de D’Artagnan, em montante equivalente a 10 pistolas (antiga moeda francesa). Vamos imaginar, também, que Athos, posteriormente, se torne, de igual modo e simultaneamente, credor de D’Artagnan, em montante equivalente a 3 pistolas. Nesse caso, D’Artagnan, em virtude da confusão parcial existente em relação à figura de Athos, somente poderá cobrar dos respectivos devedores solidários a dívida remanescente, ou seja, 7 pistolas.
Cessada a confusão, restabelece-se a obrigação primitiva, em todos os seus termos (cf. CC. Art. 384). Assim, valendo-se mais uma vez de um esforço imaginativo, vamos supor que alguém resolva adquirir uma empresa comercial em relação a qual é credor. Nessa toada, tão logo a aquisição seja concretizada, operar-se-á a confusão no que concerne a esse alguém e a respectiva empresa, de modo a ensejar a consequente extinção da relação obrigacional que havia entre ambos. Vamos supor que, posteriormente, esse alguém resolva alienar essa empresa comercial a um terceiro. Assim que essa nova operação se concretizar, a confusão outrora existente deixará de existir, de modo que a mencionada obrigação será restabelecida em sua forma primitiva, juntamente com todos os respectivos acessórios (cf. CC, art. 384).
Enfim, se para o genial Salvador Dali a criação sistemática da confusão nada mais é do que uma forma de liberação da criatividade, para o nosso ordenamento jurídico a confusão existente entre a pessoa do credor e do devedor nada mais é do que uma forma de extinção das obrigações, vez que ninguém pode ser ao mesmo tempo credor e devedor de si mesmo!
JOSÉ RICARDO ARMENTANO
ADVOGADO NO ESCRITÓRIO MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
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