Com a finalidade de repartir a receita do ICMS sobre as vendas interestaduais a consumidor final de forma mais igualitária entre os Estados, foi instituída em 2015 a Emenda Constitucional 87/2015.
Tal Emenda alterou o § 2º do artigo 155 da Constituição Federal e incluiu o art. 99 no ADCT, que trata da forma de cobrança do ICMS incidente sobre as operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final em outro Estado da Federação, independentemente se for contribuinte do imposto.
Assim, antes da Emenda, toda empresa que vendia bens para outro Estado da federação deveria se atentar em saber se o seu cliente (destinatário) era ou não contribuinte do imposto. Se não fosse contribuinte (uma pessoa física, por exemplo), a alíquota de ICMS aplicável era apenas aquela prevista na legislação do Estado de origem da mercadoria (ou seja, a chamada “alíquota interna” do Estado em que estava localizada a empresa vendedora). Mas se o cliente fosse um contribuinte do ICMS, a alíquota incidente na operação era sempre a interestadual.
Nesse último caso, a empresa que vendia para um contribuinte do ICMS, deveria se atentar para mais um detalhe: Se esse cliente contribuinte de ICMS era consumidor final da mercadoria ou se a aquisição seria a título de insumo produtivo ou para revenda. Se fosse como consumidor final, além do pagamento do ICMS para o Estado de origem do bem sob alíquota interestadual, ainda era devido o recolhimento do DIFAL (Diferencial de Alíquota), devido ao Estado de destino do bem e representado pela diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna do Estado de destino.
Com a Emenda Constitucional 87/2015, cuja eficácia teve início em 2016, essa regra mudou de forma substancial. Agora, em toda e qualquer operação feita com outro Estado, a alíquota sempre será a interestadual, não sendo mais relevante se o cliente é ou não contribuinte do ICMS para definir a alíquota. E o DIFAL sempre irá ocorrer desde que a mercadoria tenha sido adquirida por consumidor final, seja ele contribuinte ou não do imposto. Caso esse consumidor tenha comprado para revenda ou para insumo produtivo, não haverá DIFAL.
Saber se o cliente é ou não um contribuinte do ICMS só importa agora para saber quem fará o recolhimento do DIFAL; se o destinatário não for contribuinte do ICMS, o cálculo e o recolhimento do DIFAL será do remetente. Se o destinatário for contribuinte do ICMS, a ele caberá o recolhimento do DIFAL e não mais ao remetente, sem partilhar o recolhimento, ou seja, 100% para o Estado de destino.
Após esse breve esclarecimento sobre as alterações contidas na Emenda Constitucional nº 87/2015, vejamos o impacto que ela promoveu sobre o e-commerce, principalmente após o Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, regulamentar a EC nos termos do Convênio 93/2015.
A cobrança de ICMS nas operações interestaduais ficou mais complexa e burocratizada.
Como vimos, ficou estabelecido que, mesmo quando o consumidor não for contribuinte do ICMS, será aplicado a alíquota interestadual em qualquer caso e o imposto passará a ser recolhido, gradativamente, ao Estado de destino sendo o Diferencial de Alíquota partilhado na seguinte proporção: em 2016, 40% para o Estado de destino e 60% para o Estado de origem; em 2017, 60% para o Estado de destino e 40% para o Estado de origem e em 2018, 80% ficará para o Estado de destino e 20% para o Estado de origem. A partir de 2019, 100% do DIFAL caberá ao Estado de destino
Com a popularização e segurança dos sites de venda pela internet, mercadorias são vendidas com comodidade e facilidade para todo o país o tempo todo. Isso impactou de forma significativa o recolhimento do imposto estadual pois hoje, as vendas interestaduais são praticadas em volume infinitamente maior do que quando foi concebido o ICMS.
Na regra anterior à LC 87/2015, uma pessoa física (não contribuinte do ICMS, portanto), localizada em São Paulo que adquirisse uma mercadoria de empresa localizada em Santa Catarina, recolhia-se o ICMS para o Estado Santa Catarina, ou seja, utilizava-se a chamada “alíquota interna” do Estado em que estava localizada a empresa vendedora, não havendo o que se falar em DIFAL.
Agora, com a nova regra, as empresas que façam operações para outro Estado, em especial as empresas de vendas on line, devem observar a nova sistemática onde, no exemplo acima, a alíquota sempre será a interestadual, e por ser um consumidor final não contribuinte, deverá a empresa remetente observar e recolher o DIFAL ao Estado de São Paulo, representado pela diferença entre a alíquota interestadual (12% como regra e 7%, como exceção, além da alíquota de 4% para os casos específicos de mercadorias importadas) e a alíquota interna de São Paulo.
Além de toda adequação a nova regra, a empresa vendedora terá que se cadastrar no Fisco do Estado para onde está remetendo a mercadoria, ou seja, se o empresário vende para todo o país, terá que possuir inscrição estadual em até 27 secretarias diferentes, além de gerar quatro guias a mais para cada nota fiscal emitida.
Portanto as alterações criaram procedimentos burocráticos e complexos que, sem a regulamentação adequada, criará entraves principalmente às pequenas empresas, que estão tendo que fechar suas portas pelo excesso de regras e pelo aumento da carga tributária.
ILEGALIDADE E INSEGURANÇA JURÍDICA
O cenário atual é de grande insegurança jurídica pois ainda não há Lei Complementar que dê tratamento adequado ao disposto na Emenda Constitucional 87/2015. De fato, o tema foi tratado de forma superficial, atingindo negativamente todos os contribuintes que estão sujeitos ao recolhimento do imposto.
Temos que ter em mente que o Convênio 93/15, que regulamentou a EC 87/2015 não é uma lei. No máximo, pode ser considerado uma lei ordinária, mas que não pode contrariar a lei complementar, nem dispor sobre matéria de competência exclusiva desta, como vem fazendo. Isso porque a Constituição Federal determina, em seu artigo 146, III, que a competência exclusiva para tratar de base de cálculo, contribuintes e fatos geradores de tributos, é da lei complementar.
E como se não bastasse o avanço da competência, a norma do CONFAZ, visando simplificar a apuração do ICMS das operações do e-commerce, regulamenta a Emenda Constitucional com claras falhas e equívocos pois não estabeleceu, por falta de consenso, algumas diretrizes sobre base de cálculo do ICMS e sobre a definição de quem deve ser considerado contribuinte no novo regime de arrecadação, criando novas fórmulas de cálculos para a apuração do ICMS e inovando completamente no tratamento da base de cálculo do ICMS em diversas das suas disposições. Isso gerou, inclusive, diversas ações na justiça e duas Ações Direita de Inconstitucionalidade (ADIN 5469 e ADIN 5464).
O texto original do Convênio 93/15, publicado em fevereiro, foi objeto de questionamento pela ADIN Nº 5469 requerida pela ABCOMM (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico) e proposta pelo COTS ADVOGADOS, questionando exatamente o tratamento de base de cálculo que o Convênio instituiu.
Em 11 de março de 2016, o convenio 93/15 foi republicado sem os pontos controvertidos objetos da Adin. Mas a hipótese de incidência do ICMS nas operações do e-commerce ainda seguem sem previsão.
A cobrança pelas novas regras está sendo exigida sem alteração na Lei Complementar 87/2015 (que estabelece a regra matriz do ICMS), ao arrepio dos dizeres constitucionais. Assim, a exigência do DIFAL não tem base em lei complementar e sua cobrança contraria o dis
posto Constitucional.
SIMPLES NACIONAL – cláusula nona do convênio
Após a publicação do Convênio 93/2015, a cláusula nona chamou atenção dos contribuintes. Segundo essa norma, as micro e pequenas empresas optantes do Simples Nacional estavam também obrigadas a seguir as novas regras do ICMS ou seja, as empresas optantes do Simples Nacional foram incluídas na nova sistemática de recolhimento, que se viram obrigadas a apurar e recolher o DIFAL, em guias próprias em favor do Estado de destino. Vajamos:
Cláusula nona: Aplicam-se as disposições deste convênio aos contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em relação ao imposto devido à unidade federada de destino.
Essa cláusula está com sua eficácia suspensa por força da decisão do ministro Dias Toffoli, que concedeu medida cautelar até o julgamento final da ADIN 5464 – que tem por objeto a discussão da indigesta cláusula 9ª. Na decisão, o ministro afirma que, em exame preliminar, a cláusula 9ª do convênio invade campo de lei complementar e apresenta risco de prejuízos, sobretudo para os contribuintes do Simples Nacional, que podem perder competitividade e cessar suas atividades. Em seu voto o Relator assim afirmou:
“A cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015, a pretexto de regulamentar as normas introduzidas pela Emenda Constitucional nº 87/2015, ao determinar a aplicação das disposições do convênio aos contribuintes optantes pelo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e pelas Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional -, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006,em relação ao imposto devido à unidade federada de destino, acabou por invadir campo próprio de lei complementar, incorrendo em patente vício de inconstitucionalidade.
(…)
Se é certo que a Emenda Constitucional nº 87/2015 uniformizou o regramento para a exigência do ICMS em operações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outra unidade da federação, contribuinte ou não, não só fixando a alíquota que será adotada na origem (interestadual), como também prevendo o diferencial de alíquota a favor do destino em todas as operações e prestações, não é menos certo que o art. 146,III, d, da Constituição dispôs caber a lei complementar a definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte.
(…)
Em sede de cognição sumária, concluo que a Cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015 invade campo de lei complementar. Por essas razões, tenho que se encontra presente a fumaça do bom direito, apta a autorizar a concessão de liminar.”
Além disso, importante mencionar que as empresas do Simples Nacional continuam a pagar o ICMS incidente sobre suas operações próprias usando como base de cálculo sua receita bruta mensal. A cobrança do DIFAL, conjuntamente ao ICMS mensal, ignora os conceitos de fato gerador, base de cálculo, obrigação tributária, segurança jurídica, etc., além de ser evidente a bitributação aplicada.
Infelizmente, mesmo com a eficácia suspensa, alguns Estados continuam exigir o DIFAL das empresas optantes pelo Simples, que estão imunes, por ora, ao recolhimento do DIFAL, por força da medida cautelar concedida na ADIN 5464. À essas empresas, caberá valer-se do Judiciário para que não recolham o DIFAL ao Estado de destino.
Como se vê, as disposições do Convênio 93/2015 do CONFAZ repercutiu sobre as empresas de e-commerce de forma impactante que, sem Lei Complementar que regule a aplicação das alterações provocadas pela EC 87/2015, seguem sem saber exatamente como proceder.
Até que se crie uma Lei Complementar que regulamente a Emenda Constitucional, as empresas terão que se adequar aos Decretos dos Estados, comparando com o convênio 93/2015 em conjunto com a EC 87/2015 e respectivas legislações estaduais, tendo sempre em vista a fragilidade das regras, que podem ser discutidas judicialmente.
Mariana Pasianoti