A estabilidade e a previsibilidade são princípios fundamentais do Direito Contratual. No entanto, na vida temos momentos inesperados, e as condições que envolvem a formação de contratos podem sofrer mudanças inesperadas e drásticas, tornando a execução de determinadas obrigações excessivamente onerosa para uma das partes. Nessas circunstâncias, o Direito brasileiro permite a flexibilização do princípio da força obrigatória dos contratos (“pacta sunt servanda”) por meio da cláusula “rebus sic stantibus” e da Teoria da Imprevisão. Esses mecanismos possibilitam a revisão ou a resolução dos contratos quando ocorrem fatos extraordinários e imprevisíveis.
A cláusula “rebus sic stantibus”, expressão de origem latina que significa “enquanto as coisas estiverem assim”, reflete a ideia de que um contrato só deve manter sua validade enquanto as condições sob as quais foi firmado não forem substancialmente alteradas. Em contraposição, o princípio do “pacta sunt servanda”, que traduzido quer dizer que os contratos devem ser cumpridos, representa a regra geral nas relações contratuais, até haver a necessidade da aplicação da cláusula “rebus sic stantibus”, que surgiu como uma exceção, permitindo a revisão ou a extinção de um contrato quando as circunstâncias em que ele foi pactuado mudam de forma significativa e imprevisível.
A Teoria da Imprevisão está intimamente ligada à cláusula “rebus sic stantibus” e visa permitir a revisão ou a resolução contratual em função de eventos imprevistos que tornem o cumprimento do contrato excessivamente oneroso para uma das partes. Diferentemente de uma simples variação econômica, a aplicação de tal exige que o evento seja extraordinário e alheio à vontade das partes.
No Brasil, a Teoria da Imprevisão está consolidada no Código Civil, especialmente no artigo 478, que prevê a possibilidade de resolução do contrato quando a execução de uma obrigação se tornar excessivamente onerosa devido a acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, no artigo 479, que permite a revisão do contrato para equilibrar as obrigações, desde que a outra parte consinta, e por fim o artigo 480, que concede à parte prejudicada a opção entre resolver ou revisar o contrato, dependendo das circunstâncias específicas do caso.
Um exemplo recente da aplicação desses institutos foi a pandemia de COVID-19, que resultou em diversas decisões judiciais fundamentadas na cláusula “rebus sic stantibus” e na Teoria da Imprevisão, principalmente em contratos de locação comercial, prestação de serviços e financiamentos de longo prazo. A crise econômica causada pelas restrições sanitárias levou à necessidade de flexibilização dos contratos, com decisões judiciais que reduziram valores de aluguéis ou suspenderam temporariamente a execução de determinadas obrigações.
Ressaltando que para a aplicação desses mecanismos, o evento que alterou as circunstâncias contratuais deve ter sido imprevisível no momento da assinatura do contrato e extraordinário, representando uma mudança profunda e atípica nas condições originais. Além disso, a execução do contrato deve ter se tornado extremamente onerosa para uma das partes, gerando um desequilíbrio significativo entre as obrigações estabelecidas. O evento imprevisível deve ser alheio à vontade e à conduta das partes, ou seja, nenhuma delas deve ter contribuído para sua ocorrência.
Em 2012, ao julgar o REsp 945.166, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, afirmou que “para ensejar a aplicação da teoria da imprevisão – a qual, de regra, possui o condão de extinguir ou reformular o contrato por onerosidade excessiva –, é imprescindível a existência, ainda que implícita, da cláusula “rebus sic stantibus’, que permite a inexecução de contrato comutativo – de trato sucessivo ou de execução diferida – se as bases fáticas sobre as quais se ergueu a avença alterarem-se, posteriormente, em razão de acontecimentos extraordinários, desconexos com os riscos ínsitos à prestação subjacente”.
Então, diante dessa afirmação, mesmo entendendo que essa cláusula pode ser acionada em momentos imprevisíveis, por precaução, é recomendável a inserção dessa disposição na elaboração do contrato, evitando deste modo possíveis interpretações quanto a aplicação da mesma.
A aplicação da cláusula “rebus sic stantibus” e da Teoria da Imprevisão no Direito Brasileiro constitui um importante instrumento de equilíbrio contratual em situações excepcionais. Embora o princípio da força obrigatória dos contratos seja vital para garantir a segurança jurídica, ele não deve ser absoluto a ponto de permitir a criação de situações de onerosidade excessiva e injustiça entre as partes.
A utilização deve ser criteriosa, com a exigência de requisitos claros e comprovação de que houve uma mudança substancial nas circunstâncias, de modo a evitar abusos e preservar o princípio da boa-fé objetiva, que permeia as relações contratuais.
Morad Advocacia Empresarial