A terceirização é uma prática que vem sendo amplamente adotada por empresas para delegar atividades específicas a terceiros, permitindo que a organização foque em suas atividades principais. No entanto, essa prática traz uma série de implicações jurídicas que precisam ser cuidadosamente gerenciadas para evitar problemas legais.
A terceirização no Brasil é regida principalmente pela Lei 13.429/2017, que alterou dispositivos da Lei 6.019/1974, e pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017). Essas leis estabeleceram as bases para a terceirização de atividades-fim e meio. Antes dessas leis, a terceirização era permitida apenas para atividades-meio (aquelas que não fazem parte do core business da empresa), com as novas legislações,no entanto, as empresas passaram a ter mais liberdade para terceirizar qualquer atividade.
Uma das maiores preocupações jurídicas relacionadas ao fenômeno da terceirização é a responsabilidade trabalhista. Ainda que o trabalhador esteja empregado de maneira formalmente terceirizada pela empresa, a parte contratante pode ser responsabilizada caso não cumpra com suas obrigações trabalhistas. Essas responsabilidades podem ser divididas em duas categorias
- Responsabilidade Subsidiária: Significa que a empresa contratante será chamada a responder pelas obrigações trabalhistas somente após esgotadas as possibilidades de cobrança da empresa terceirizada. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) estabeleceu essa responsabilidade na Súmula 331
- Responsabilidade Solidária: Em alguns casos, quando há fraude na contratação ou a terceirização é considerada ilícita, a responsabilidade também pode ser convocada de maneira solidária, ou seja, ficam a empresa contratante e a terceirizada igualmente responsáveis pelas obrigações trabalhistas.
Um ponto crucial nessa dinâmica é a caracterização da relação de trabalho. A terceirização pode ser considerada inválida se houver condições de subordinação direta, pessoalidade e habitualidade do trabalhador terceirizado com a empresa contratante. Nesses casos, pode ser reconhecido o vínculo empregatício direto com a contratante, implicando no reconhecimento dos direitos trabalhistas do funcionário como o registro em carteira assinada, o pagamento de férias, 13º salário, FGTS, entre outros.
Os trabalhadores terceirizados têm direito a condições de trabalho similares às dos empregados da empresa contratante. A legislação prevê que eles devem ter acesso às mesmas instalações de alimentação, transporte, atendimento médico e medidas de segurança e saúde. Isso visa evitar a discriminação e garantir que os direitos básicos dos trabalhadores terceirizados sejam respeitados.
É importante ressaltar que a terceirização aumenta os riscos e as possíveis contingências para as empresas contratantes. Para mitigar esses riscos, as organizações devem implementar práticas rigorosas de fiscalização e controle, incluindo a realização de auditorias periódicas para verificar se a empresa terceirizada está cumprindo todas suas devidas obrigações trabalhistas e fiscais.
É imprescindível, nesse contexto, incluir cláusulas específicas nos contratos de terceirização que estipulem penalidades em caso de descumprimento das obrigações trabalhistas e fiscais.
Os programas de compliance e due diligence devem ser aplicados a fim de realizar uma pesquisa prévia durante a etapa de seleção das empresas terceirizadas, de modo que possa garantir que elas tenham boa reputação e histórico de conformidade com a legislação brasileira.
As obrigações tributárias e previdenciárias são outro aspecto crítico desse tipo de relação. Aproveito para lembrar que a empresa contratante pode ser responsabilizada por débitos fiscais e previdenciários da empresa terceirizada caso esta não tenha cumprido com suas obrigações. Para evitar problemas desse naipe, deve-se exigir os comprovantes regulares de pagamento de tributos e contribuições previdenciárias.
Terceirizar alguns funcionários pode trazer benefícios significativos para a gestão empresarial, como a possibilidade de concentrar recursos e esforços nas atividades principais da empresa, aumentar a eficiência operacional e reduzir custos. No entanto, esses benefícios vêm acompanhados de responsabilidades e riscos que precisam ser geridos de forma eficaz e atenta. Uma gestão de riscos robusta, que inclua uma análise detalhada das atividades terceirizadas e uma supervisão contínua, portanto, torna-se essencial.
Os contratos de terceirização devem ser claros e detalhados, especificando o escopo dos serviços, ao definir claramente os serviços a serem prestados, com descrição detalhada das atividades. É responsabilidade das partes estabelecer as condutas esperadas da empresa contratante e da terceirizada, incluindo o fornecimento de equipamentos, treinamento e supervisão contínua dos trabalhadores.
As cláusulas de rescisão devem explicitar as condições para a rescisão do contrato, prevendo situações de inadimplência, descumprimento de normas trabalhistas ou outros fatores que possam justificar o fim da colaboração. A contratante deve assegurar que a empresa terceirizada cumpra todas as normas legais e regulamentares aplicáveis, incluindo legislações trabalhistas, previdenciárias e de segurança no trabalho.
A interpretação dos tribunais sobre as regulamentações da terceirização é fundamental. O TST tem consolidado entendimentos importantes, especialmente sobre o que diz respeito à responsabilidade subsidiária da empresa contratante. A jurisprudência pode variar mas geralmente reforça a necessidade de um controle rigoroso sobre as práticas da empresa terceirizada.
O regime de terceirização traz desafios significativos, incluindo a necessidade de adaptação às mudanças legislativas e jurisprudenciais, o gerenciamento de relações com fornecedores e a manutenção da moral e motivação dos trabalhadores terceirizados. As empresas precisam estar preparadas para lidar com essas questões de maneira proativa, garantindo que as práticas de terceirização sejam sustentáveis e legalmente conformes.
Em resumo, a terceirização nas relações trabalhistas envolve uma complexa rede de implicações jurídicas que abrangem a legislação, o respeito aos direitos trabalhistas e às condições de trabalho dignas, os riscos e contingências, os aspectos tributários e previdenciários, a própria gestão empresarial, contratos e jurisprudência. Uma abordagem cuidadosa e bem planejada é essencial para que a terceirização possa trazer benefícios sem expor a própria empresa e os trabalhadores a riscos desnecessários.
Léia Aparecida é advogada na Morad Advocacia Empresarial.
Edição: Dora Scobar