Se, no alegórico romance Revolução dos Bichos (Animal Farm), do célebre escritor inglês George Orwell, era difícil distinguir os porcos dos homens, no mundo futurista da ficção científica retratado na coletânea de contos Eu, Robô (I, Robot), do não menos célebre escritor russo-estadunidense Isaac Asimov, é praticamente impossível identificar se o candidato Stephen Byerley é, de fato, um ser humano ou um robô.
E, na vida real, não estamos muito longe disso. Com o fantástico, desenfreado e espantoso desenvolvimento tecnológico que a humanidade vem, a passos largos, conquistando nos últimos anos — principalmente no campo da ciência da computação que estuda e desenvolve a Inteligência Artificial (IA) —, não é nenhum delírio imaginar que, em um futuro próximo (e talvez nem tão distante), a criatura poderá substituir o criador.
Oportuno se faz ressaltar que esse campo científico tem justamente por objetivo a criação e o desenvolvimento de programas e máquinas especialmente projetados para aprender, raciocinar, resolver problemas, reconhecer padrões, interpretar linguagem e até mesmo tomar decisões com base em dados, de modo a executar tarefas e atividades que antes eram realizadas exclusivamente por seres humanos.
Aliás, os vários ramos de atuação desse campo dão uma boa ideia disso, principalmente aqueles direcionados ao aprendizado automático, como o machine learning, em que algoritmos aprendem com dados e melhoram seu desempenho ao longo do tempo sem depender de programação explícita, ou mesmo os voltados para a Robótica e os Sistemas Autônomos, cujo foco é a integração da Inteligência Artificial com sensores e hardwares para a realização de tarefas no mundo físico.
Não é à toa, portanto, que a Inteligência Artificial tem evoluído a ponto de executar com eficiência — e muitas vezes com perfeição — atividades que antes eram realizadas apenas por seres humanos, como o reconhecimento de padrões, amplamente utilizado em diagnósticos médicos por imagens, em razão de sua rapidez e precisão, ou a automação de rotinas jurídicas e administrativas, especialmente na análise e confecção de contratos, elaboração de relatórios e documentos padronizados.
Em síntese, a Inteligência Artificial é, hoje, uma realidade. E é justamente diante desse panorama que surge um receio genuíno e crescente de que a Inteligência Artificial venha a reduzir ou substituir postos de trabalho.
Importa destacar que esse temor não é novidade. Basta recorrermos à História, mais especificamente à Revolução Industrial, quando havia o justo receio de máquinas substituírem artesãos. Ou, ainda, ao século passado, nas décadas de 1980 e 1990, quando surgiram novas tecnologias de automação, como os sistemas de robótica industrial e de automação de processos, que proporcionaram a criação de fábricas inteligentes, com maior capacidade de produção e excelentes níveis de eficiência e qualidade.
O fato é que a Inteligência Artificial já vem ocupando o lugar do trabalhador em várias atividades, sobretudo naquelas repetitivas e padronizadas, que demandam análise de grandes volumes de dados ou processamento de documentos. Serviços de atendimento, por exemplo, já se valem de chatbots, reduzindo, assim, a necessidade de call centers repletos de funcionários. Na produção industrial, as linhas de montagem estão cada vez mais robotizadas.
Apesar disso, o papel do ser humano continua sendo fundamental. A Inteligência Artificial, por mais desenvolvida e tecnológica que seja ou venha a ser, ainda carece de julgamento crítico, sensibilidade, criatividade genuína, empatia e capacidade ética — atributos inerentes ao ser humano e que dificilmente serão algum dia alcançados artificialmente, pelo menos por ora. Aliás, o célebre Asimov que o diga.
O que se vislumbra, na realidade, não é uma substituição total, mas uma reconfiguração do mercado de trabalho, tal como já ocorreu ao longo da nossa história, com o surgimento de novas profissões ligadas ao desenvolvimento, manutenção e supervisão da Inteligência Artificial, ou mesmo com o deslocamento de funções, nos moldes do que se deu com a mecanização agrícola, em que, de um lado, houve redução de empregos no campo e, de outro, aumento da demanda em logística, comércio e indústria.
Por se tratar de um assunto delicado e preocupante, impõe-se destacar que há uma crescente atenção do legislador em relação ao trabalhador nesse contexto. Existem, inclusive, diversas iniciativas legislativas que abordam a Inteligência Artificial, a robótica e seus impactos no mercado de trabalho, especialmente no que se refere à perda de empregos e à preservação dos direitos dos trabalhadores.
Um exemplo disso, no âmbito federal, é o Projeto de Lei nº 2.338/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), que dispõe sobre o desenvolvimento, o fomento e o uso ético e responsável da Inteligência Artificial, com base na centralidade da pessoa humana, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados. Ainda sobre essa matéria, há também o Projeto de Lei nº 3.088/2024, de autoria do deputado federal Junior Mano (PSB/CE), que visa incluir na CLT medidas de proteção ao trabalhador diante do uso da Inteligência Artificial, aguardando, no momento, parecer do relator na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCTI).
Enfim, assim como ocorreu em revoluções tecnológicas anteriores, haverá perdas de postos de trabalho tradicionais, mas, em contrapartida, surgirão novas oportunidades. O desafio dessa equação está, certamente, na proteção do trabalhador durante esse período de transição — sobretudo por parte do legislador — e, também, na concentração de esforços em educação e qualificação profissional, de modo a capacitar as pessoas para esse novo cenário, tornando-as aptas a conviver e interagir com a Inteligência Artificial, agregando valor às respectivas atividades profissionais, e não em retardar (ou impedir) o inexorável progresso da ciência da computação.