Um dos maiores temores, no âmbito das atividades empresariais, é, sem dúvida nenhuma, a
responsabilização do sócio por dívidas da sociedade.
Mas como assim? A legislação vigente não é clara ao dispor que os sócios, associados,
instituidores ou mesmo administradores não se confundem com a sociedade e vice-versa?
Pois é! Mas no mundo real as coisas, de um modo geral, nem sempre são preto no branco.
Entre essas duas magnificas cores há uma infinidade de tons de cinza, capazes de fazer inveja
ao personagem Christian Grey, da obra, aliás, de questionável qualidade, criada por E. L.
James.
Com efeito, a personalidade jurídica de uma sociedade não é mesmo algo absoluto tampouco
intangível. E isso por que é possível, diante de certas circunstâncias — isto é, diante de
comportamentos fraudulentos dos sócios, desconectados da finalidade para a qual a
sociedade foi criada —, descaracterizá-la como uma personalidade jurídica autônoma, mais
especificamente por meio da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, de modo a
alcança-los e a atingi-los diretamente, sem qualquer tipo de restrição ou anteparo.
Impõe-se ressaltar que essa teoria foi introduzida expressamente em nosso ordenamento
jurídico pela Lei nº 9.605/98, que trata dos crimes contra o meio ambiente, pela Lei nº
8.708/90, que trata das relações de consumo (cf. CDC, art. 28), bem como pela Lei nº
13.874/19, a qual, dentre outras coisas, alterou o Código Civil Brasileiro, para que o respectivo
artigo 50 passasse a vigorar com a seguinte redação: “Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a
requerimento da parte, ou do Ministério Publico quando lhe couber intervir no processo,
desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica
beneficiada direta ou indiretamente pelo abuso.”
Até aí, nada mais razoável e justo, afinal, a sociedade jamais poderá servir como desculpa ou
anteparo para abrigar atividades fraudulentas e nocivas, em benefício de sócios maliciosos e
mal intencionados. Todavia, não há nada mais injusto do que o emprego dessa teoria, de
forma precipitada, desmedida e desarrazoada, contra um sócio ou um administrador, ante a
mera suspeita de abuso ou uso fraudulento da sociedade.
Diante desse panorama, o legislador houve por bem propor o Projeto de Lei nº 3.401/08, não
apenas para estabelecer regras processuais claras no âmbito da aplicação do instituto da
desconsideração da personalidade jurídica, mas, também, para assegurar o exercício do
contraditório e evitar a aplicação desmesurada e inapropriada dessa teoria em casos
concretos, de modo a proporcionar segurança e estabilidade nas relações jurídicas
empresariais.
Dentre as disposições propostas no mencionado projeto de lei, destacam-se aquelas que
proíbem o juiz decretar a desconsideração da personalidade jurídica: de ofício; sem a prévia
ouvida do Ministério Público; ou, então, sem possibilitar a pessoa jurídica satisfazer a
obrigação reclamada (cf. PL 3.401/08, art. 4º e 5º).
É importante enfatizar que esse projeto de lei é categórico ao propor que os efeitos da
desconsideração da personalidade jurídica não devem atingir os bens particulares dos
instituidores, sócios ou administradores que não tenham praticado ato abusivo da
personalidade em detrimento dos credores da pessoa jurídica e em proveito próprio.
Oportuno se faz ressaltar, por fim, que o projeto de lei em questão está aguardando sanção
pelo Presidente da República.
Trata-se, sem dúvida nenhuma, de uma boa iniciativa legislativa, vez que o que o legislador,
por meio do mencionado projeto de lei, não almeja apenas estabelecer um rito processual
para as questões envolvendo a desconsideração da personalidade jurídica, mas pretende,
também, conferir segurança jurídica às relações empresariais e proteger aqueles que, de boa-
fé e sem ter praticado qualquer ato abusivo, ilícito ou em benefício próprio, acabam sendo
arrastados, sem critério e sem possibilidade de se defender adequadamente, para o turbilhão
da pessoa jurídica em situação econômico-financeira crítica, pelo simples fato de serem sócios
ou administradores, dentre outros.
José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
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