Por Beatriz Olivon – Valor
Por ampla maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a Receita Federal pode ter acesso a informações bancárias dos contribuintes, encaminhadas pelas instituições financeiras, sem a necessidade de ordem judicial. O tema foi julgado por meio de cinco processos, 15 anos após a edição da Lei Complementar nº 105, que permitiu a prática. Apenas os dois ministros mais antigos da Corte, Marco Aurélio e Celso de Mello, ficaram vencidos.
O julgamento foi retomado ontem com os quatro últimos votos. Já havia, porém, maioria favorável à Receita Federal, que alegou precisar das informações para identificar casos de sonegação fiscal. O mecanismo, segundo o órgão, possibilitou a recuperação de R$ 94,4 bilhões nos últimos 15 anos.
A questão foi analisada por meio de quatro ações diretas de constitucionalidade (Adins) e de um recurso extraordinário. Ontem, os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski acompanharam a maioria, favorável à Receita. E Celso de Mello acompanhou a divergência, aberta pelo ministro Marco Aurélio.
A Corte julgou a constitucionalidade do artigo 6º da lei complementar, regulamentado pelo Decreto nº 3.724, de 2001. O dispositivo permite que autoridades e os agentes fiscais da União, Estados, Distrito Federal e municípios possam examinar registros de instituições financeiras inclusive os referentes a contas correntes, poupanças e aplicações quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso.
Em diversos momentos do julgamento, a defesa da Receita Federal e ministros afirmaram que não se tratava de quebra de sigilo, mas de transferência. Este ponto foi reiterado pelo ministro Gilmar Mendes em seu voto. “A legislação não permite a divulgação dos dados dos contribuintes. O sigilo permanece. Os dados não são expostos”, afirmou.
Para o ministro, há outros meios mais severos e invasivos que o acesso a dados bancários, como a fiscalização de bagagens em aeroportos. Gilmar Mendes destacou ainda que o tributo é fundamental para a estrutura do Estado moderno, “de forma que a efetivação de direitos fundamentais conforme está na Constituição não se faz sem recursos”. “Não há Estado social sem que haja Estado fiscal”, afirmou.
O ministro Luiz Fux também acompanhou a maioria. Mas ponderou que já há uma série de garantias para procedimentos na esfera federal e considerou aconselhável a adoção, conforme sugeriu o ministro Luís Roberto Barroso, de garantias semelhantes para os casos analisados por Estados e municípios.
Barroso, em seu voto, havia considerado importante estabelecer que a obtenção de informações depende de processo administrativo devidamente regulamentado para que se assegure algumas garantias, como mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios. O ministro Lewandowski também concordou com essas observações e sugeriu que os contribuintes sejam informados dos procedimentos.
Já o ministro Celso de Mello acompanhou o voto vencido do ministro Marco Aurélio. Para o magistrado, a Constituição não pode ser degradada pelo Estado. “Será que a administração tributária teme a supervisão do Poder Judiciário quando faz suas postulações?”, questionou. “Sabemos que um simples extrato bancário é uma fonte de revelações que podem afetar a intimidade e a própria privacidade financeira das pessoas.”
A decisão foi comemorada pela ProcuradoriaGeral da Fazenda Nacional (PGFN). Em nota, o órgão afirmou que a decisão garante a manutenção do Brasil no grupo dos países signatários de acordos de cooperação internacional envolvendo trocas de informações, na esteira do movimento mundial de atuação conjunta no combate à evasão fiscal internacional e a outros crimes de alcance extraterritorial, como lavagem de dinheiro, narcotráfico e terrorismo.
As medidas sugeridas pelos ministros Barroso, Fux e Lewandowski são importantes para mitigar os possíveis abusos dos agentes fiscais no acesso aos dados sigilosos, segundo o advogado Luís Carlos Ferreira dos Santos Junior, do escritório GNC Law.
Na decisão, os ministros não trataram especificamente da eFinanceira, que tem como base a lei complementar questionada. Mas, para o advogado, liminares que suspenderam a eficácia da Instrução Normativa nº 1.571, de 2015, podem cair, tendo em vista o posicionamento do STF no sentido de que, no repasse de informações, não há quebra do sigilo bancário, mas apenas a transferência do dever de sigilo.
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