E aí? O que fazer em uma situação dessas?
Lamentar o infortúnio, invocar a providência divina ou quem sabe dançar, tal como o célebre personagem Zorba — o Grego —, a dança Sirtaki com o gerente do hotel ao por do sol? Ora, isso certamente seria conveniente para o gerente do hotel, mas, sem sombra de dúvida, não é — e jamais será — para o desafortunado casal!
A esse respeito, a legislação brasileira é clara: a hospedagem implica depósito necessário no que tange à bagagem dos viajantes ou hospedes. Cabe ao hospedeiro, por conta da responsabilidade objetiva que lhe é atribuída tanto pelos artigos 647, inciso I, e 649, ambos do Código Civil, quanto pelo artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, assegurar em seu estabelecimento a incolumidade pessoal do hóspede, bem como a de seus bens e dos bens que porventura se encontrem em poder dele.
Consequentemente, em conformidade com o mencionado artigo, bem como com o artigo 932, inciso IV, também do Código Civil, o hospedeiro, na condição de depositário, responde pelos furtos e roubos praticados por empregados ou por pessoas admitidas em seu estabelecimento.
Mas e aqueles avisos, muitas vezes grafados em letras garrafais, informando que o hospedeiro não se responsabiliza por bens deixados dentro dos quartos ou no interior de veículos estacionados nas dependências do hotel? Ora, tal sorte de avisos, advertências e comunicados é considerada nula de pleno direito, já que a legislação pertinente não permite, durante a prestação de serviços, a imposição de disposições que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por defeitos do serviço, e que impliquem renúncia ou disposição de direitos (cf. art. 51 do CDC).
É importante ressaltar, contudo, que essa responsabilidade não é ilimitada, tampouco incondicionada. Muito embora a legislação pertinente não detalhe, tampouco delimite o alcance dessa responsabilidade, os nossos tribunais vêm pacificando, com discernimento e razoabilidade, um consistente entendimento respeito dessa matéria.
O principal deles diz respeito aos bens passíveis de indenização e os valores a serem indenizados, já que, para tanto, tais bens devem ser compatíveis com aquilo que comumente seria transportado em uma viagem, seja ela de férias ou de negócios (cf. TJ-SP 0016560-75.2013.8.26.0482; pub. 21/02/17). Assim, na esteira desse entendimento, são passíveis de indenização: objetos e pertences pessoais, vestuário, artigos de perfumaria, de toucador etc.
No caso utilizado como exemplo, a mala danificada, a máquina fotográfica e o notebook do desafortunado casal também são perfeitamente passíveis de serem indenizados, já que se tratam de objetos que os viajantes costumeiramente levam em viagens comemorativas ou de férias. Em conformidade com esse raciocínio, até mesmo o anel de brilhantes está incluído nessa hipótese, ainda que o respectivo valor seja elevado. E isso porque o porte de tal bem estava inserido no contexto da viagem e o respectivo furto não foi consequência de um eventual descuido ou de uma conduta negligente da infeliz esposa, mas, sim, consequência de uma falha de segurança do estabelecimento hospedeiro, que permitiu atividade criminosa consistente no arrombamento do cofre onde tal bem estava guardado.
Conforme salientado anteriormente, a responsabilidade do hospedeiro, de um modo geral, restringe-se unicamente aos bens que os hospedes habitualmente trazem consigo, não estando inserido no âmbito dessa responsabilidade os objetos de grande valor. Assim, o hospedeiro somente será responsável por bens de valor expressivo se houver, voluntariamente, prévio ajuste com o hóspede, para armazenamento em lugar adequado e comprovação do conteúdo depositado (cf. TJ-PR Apelação Cível 0083446-2; p. 07/02/2000).
A valoração do montante a ser indenizado deve ser feita com moderação e razoabilidade, levando-se em conta a correspondência entre aquilo que será indenizado e o objetivo da viagem, bem como a condição social da parte prejudicada.
Além do ressarcimento por danos materiais, esse tipo de ocorrência enseja, também, reparação por danos morais. E isso porque há, em eventos dessa natureza, a justa expectativa do hóspede de que os seus objetos pessoais estão em lugar seguro e que o hospedeiro, diligentemente, por eles está zelando. A frustração dessa expectativa, ocorrida nas hipóteses de furto ou roubo, acarreta ao hóspede transtornos incomuns, que vão muito além dos simplórios dissabores que a vida cotidiana marotamente nos presenteia. Por conta disso, esses transtornos e dissabores são passíveis de indenização. Ante a ausência de uma medida aritmética, caberá ao magistrado, com bom senso, razoabilidade e exequibilidade, valorar, segundo o seu prudente arbítrio, uma justa indenização, levando-se em conta, para tanto, as condições pessoais do ofensor, bem como as condições do ofendido (cf. TJ-RS Apelação Cível 70047687900; j. 27/06/12).
Vejamos, mais uma vez, o exemplo do desafortunado casal que teve os respectivos pertences furtados. Não é difícil imaginar a dor experimentada pela esposa ao dar conta que o seu anel de noivado — cujo valor, para ela, é incomensurável — foi furtado por um descuido da segurança do hotel em que estava hospedada. Ou mesmo o dissabor e a frustação do marido ao perceber que tanto o seu notebook como a sua máquina fotográfica, recheados de registros fotográficos de tão memorável viagem — em todos os sentidos — foram perdidos para sempre! Tratam-se, à evidência, de situações extraordinárias, que além de doloridas, enquadram-se em um patamar muito mais elevado do que aquele em que se situam os dissabores da vida cotidiana. Em casos assim, o entendimento dos nossos tribunais tem sido pacífico quanto ao cabimento de indenização por danos morais (cf. TJ-SP 0016560-75.2013.8.26.0482; p. 21/02/17).
Outra questão muito relevante a respeito desse tema diz respeito ao material probatório, já que, no mais das vezes, o hospedeiro procura eximir-se de qualquer tipo de responsabilidade alegando, para tanto, insuficiência ou até mesmo ausência de provas a respeito não só do furto em si, mas, também, da qualidade do bem que o hóspede alega ter sido subtraído. Trata-se, de fato, de uma questão delicada em que a vulnerabilidade do hóspede ressalta evidente, de modo a possibilitar, em virtude da responsabilidade objetiva inerente à prestação de serviços de hospedagem, a inversão do ônus probatório assegurada pelo artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. Nesse diapasão, face à dificuldade da prova de furto em estabelecimento de hospedagem, nossos tribunais vêm decidindo, com ponderação, que “a palavra da vítima, associada a outros elementos probatórios, tais como a correspondência dos bens com a profissão, com o objetivo da viagem e com a classe social da vítima, é suficiente para a comprovação do prejuízo material” (cf. TJ-SC 2011.027792-8; p. 14/08/13).
Se de um lado a legislação pertinente ampara o desafortunado hóspede, por outro ela cessa a responsabilidade do hospedeiro naqueles casos em que for provado que os fatos lesivos não podiam ter sido à época evitados (cf. art. 650 do Código Civil). Na gama de motivos excludentes da responsabilidade do hospedeiro encontram-se o caso fortuito, a força maior ou até mesmo a conduta exclusiva ou concorrente do hóspede, vez que, nesse âmbito, qualquer que fosse a diligência ou quaisquer que fossem os esforços do hospedeiro, ainda assim seriam insuficientes para evitar o fato lesivo.
A esse respeito, mesmo que gerente fosse tataraneto do temido pistoleiro Jesse James, que o concierge fosse o filho legítimo do Chuck Norris ou que o porteiro fosse a encarnação do Bruce Lee, ainda assim não seria exigível, além dos limites do bom senso e da razoabilidade, qualquer tipo de intervenção extravagante do hospedeiro, de modo a impedir, por exemplo, um eventual roubo à mão armada. Longe disso! Exige-se apenas as cautelas de praxe e os mecanismos de proteção comumente utilizados e inerentes a esse tipo de atividade, destinados à proteção e à segurança do hóspede, os quais, se porventura negligenciados, aí sim ensejarão o dever de indenizar.
Por fim, necessário se faz tecer algumas considerações a respeito da responsabilização do hospedeiro em caso de furto ocorrido dentro do respectivo estabelecimento, cujo bem subtraído, na oportunidade em que ocorreu o delito, se encontrava em poder do hóspede. Um exemplo disso são os furtos de maletas, bolsas e até mesmo bagagem, ocorridos no hall do hotel durante o check-out. A esse respeito, o entendimento dos nossos tribunais não é pacífico. O TJ-DF, por exemplo, tem entendido que: “estando o hóspede no hall do hotel, de posse de seus pertences, extintos se encontram a prestação de serviços e o deposito necessário” (TJ-DF EIC 20040110653030; p. 25/09/07). Já outras Cortes têm entendimento diverso sobre essa questão. Segundo o Desembargador Joel Figueira Junior, da Quarta Câmara de Direito Cível do TJ-SC, “a negligência […] está configurada com a falha do dever de guarda e de cuidados das bagagens, porquanto inerente à condição de hospedeiro (CC, art. 649), seguida de sua omissão ao não amparar a consumidora, uma vez que os donos de hotéis são também responsáveis pela reparação civil de seus hóspedes” (TJ-SC 0057654-36.2010.8.24.0038; j. 03/05/18). A esse respeito, parece mais razoável o entendimento segundo o qual a prestação de serviços e a consequente responsabilidade do hospedeiro cessam, efetivamente, quando o hóspede, de fato, deixa as dependências do hotel ou da hospedaria de forma definitiva. Convenhamos, trata-se mesmo de uma questão repleta de peculiaridades e que, em razão disso, dá ensejo aos mais diversos entendimentos a respeito.
Em linhas gerais, a responsabilidade do hospedeiro, por força da legislação pertinente, é objetiva, de modo que ele responde, não só materialmente, mas moralmente também, pelos eventuais prejuízos experimentados pelos hospedes durante a prestação de serviços de hospedagem.
José Ricardo Armentano
Advogado no Escritório de Advocacia Morad Advocacia Empresarial