Não é incomum depararmo-nos com pleitos judiciais na qual uma companheira, após a morte de seu companheiro, busca socorro perante o Poder Judiciário para ver reconhecida, post mortem — isto é, após a morte — a existência de união estável entre ambos, relativa ao período em que conviveram juntos.
A coisa toda, de fato, começa a esquentar quando se coloca mais brasa nesse braseiro. Mais especificamente, imagine uma situação em que uma viúva, ainda se recuperando da morte de seu — até então — querido marido, é abrupta e inesperadamente citada para responder uma ação de reconhecimento de união estável, promovida por uma suposta companheira. Trata-se, sem dúvida nenhuma, de mais um daqueles casos em que a viúva, que inicialmente chorava de tristeza, passa, a partir daí, a chorar de raiva.
Convenhamos, é difícil dizer o que é pior: a superação do falecimento de um ente querido ou o enfrentamento de uma traumática e desgastante lide dessa natureza, e todos os efeitos patrimoniais dela decorrentes.
Mas, afinal, é possível o reconhecimento de união estável com pessoa casada?
E a resposta para tal indagação é: depende! E isso porque, em regra, os nossos tribunais não admitem a união estável envolvendo pessoas casadas.
Segundo a Desembargadora Mary Grün, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “assim como a lei veda o casamento de pessoa que está casada, não pode a pessoa casada constituir união estável se não estiver no mínimo separada de fato” (cf. TJ-SP; Apelação Cível nº 1035361-44.2018.8.26.0224; 7ª Câmara de Direito Privado; Rel.ª Des.ª Mary Grun; j. 15/02/21).
Conforme bem ponderou a Desembargadora Sandra Reves, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao analisar caso análogo, “a união estável é uma relação com aparência de matrimônio, baseada na convivência pública, contínua e duradoura, com a finalidade de constituir família, desejo que deve ser de ambos os envolvidos, e não de apenas um deles, além da ausência dos impedimentos matrimoniais contidos no art. 1.521 do Código Civil” [segundo o qual pessoas casadas não podem casar]. E, na esteira desse raciocínio, a ilustre desembargadora conclui com propriedade que “é descabido o reconhecimento da união estável com pessoa casada, quando não comprovada a separação de fato. Consequentemente, mantida a vida em comum entre os cônjuges (ou seja, inexistindo separação de fato), não se poderá reconhecer a união estável da pessoa casada.” (cf. TJDF; Apelação Cível 0701674-50.2017.8.07.0019; 2ª Turma Cível; Rel. Des. Sandra Reves; j. 03/02/21).
Aliás, esse é o entendimento que vem sendo manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito desse tema:
“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que não é possível o reconhecimento de uniões simultâneas, de modo que a caracterização da união estável pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento ou, pelo menos, a necessidade de haver separação de fato ou judicial entre os casados” (AgRg nos EDcl no AREsp 514.772/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 09/12/2014, DJe 15/12/2014).
Vale dizer que, sob óptica dos nossos tribunais, somente será possível o reconhecimento de união estável com pessoa casada se ela, no mínimo, estiver separada de fato.
Assim, nessa toada, a pobre viúva do exemplo, ao menos — se é que isso serve de consolo —, não terá de suportar mais um dissabor, consistente no doloroso reconhecimento da existência de uma união estável mantida pelo seu outrora querido e falecido marido, tampouco terá de suportar os efeitos, inclusive de ordem patrimonial, que porventura possam daí decorrer.
José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
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