Foi noticiado recentemente pela imprensa internacional que um carneiro — isso mesmo, um carneiro — foi condenado por um tribunal sudanês a três anos de prisão por matar uma mulher.
Segundo a mencionada reportagem, o carneiro foi considerado culpado por matar uma mulher com vigorosas cabeçadas nas costelas dela (https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/05/26/cabra-e-condenada-a-3-anos-de-prisao-por-matar-mulher-no-sudao-do-sul.htm, acesso em 27/05/22, às 12h15).
Convenhamos, a humanidade já viu, ao longo do tempo, muitas coisas incomuns. E esse episódio, sem dúvida nenhuma, é uma dessas coisas inusitadas. Há quem diga, por exemplo, que o imperador Calígula, na Roma antiga, nomeou como senador o seu impetuoso cavalo Incitatus. Provavelmente esse détraqué soberano, além da demonstração de poder, pretendia dar, com tal medida, ainda que indiretamente, algumas patadas nos soberbos e poderosos parlamentares da época. Já uma abastada americana, no início deste século, ao falecer, deixou parte da respectiva fortuna à sua cadelinha Trouble. Ao que tudo indica, essa milionária apenas desejava, após a respectiva morte, impedir que a sua querida pet enfrentasse problemas, digamos, de ordem financeira.
Pois é! No Brasil, um pet não pode ser herdeiro pelo simples fato de não ser considerado pelo nosso ordenamento jurídico uma pessoa, mas, sim, uma coisa. Não é considerado, em regra, um sujeito de direito. E é por esse mesmo motivo que um animal não responde pelos atos animalescos que porventura vier a praticar no âmbito da respectiva existência.
Diante desse panorama, são os proprietários que respondem civil e criminalmente pelos atos animalescos praticados por seus animais.
No âmbito Cível, a legislação ordinária é expressa nesse sentido. Segundo artigo 936 do Código Civil, o proprietário, ou o detentor, ressarcirá o dano causado pelo respectivo animal, caso não seja provada a culpa da vítima ou força maior.
Vale dizer que se o animal atacar alguém ou destruir algum bem, caberá ao proprietário arcar com o ressarcimento dos danos daí decorrentes.
Aliás, a esse respeito, é importante ressaltar que a culpa do proprietário, nesse tipo de questão, é objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo. Havendo dano, caberá ao respectivo proprietário prover o correspondente ressarcimento.
Assim, se um american pit bull terrier, mais conhecido por pitbull, reduzir o insuportável chihuahua do vizinho a meras tirinhas de couro espalhadas, aqui e acolá, pela grama do jardim, de modo a expungir o outrora valente pet da vida terrena, caberá ao proprietário do vigoroso cão agressor arcar com o ressarcimento de todos os danos daí decorrentes, inclusive, conforme as circunstâncias e a gravidade do caso, aqueles de ordem moral.
Vamos supor, contudo, nesse mesmo exemplo, que esse valente chihuahua tenha engenhosamente cavado um buraco sob o cercado de propriedade alheia e, uma vez lá dentro, tenha fustigado com bravatas caninas o até então dócil e tranquilo pitbull. Cá entre nós, não é difícil imaginar, nesse cenário, a presença de um grupo ganense de coffin dancers aguardando o desfecho de tamanha bazófia.
Nessa hipótese, em que há culpa da vítima, o proprietário do animal ofensor — no caso, o pitbull — isenta-se quanto ao ressarcimento dos danos. Mais especificamente, não há que se falar, nesse tipo de caso, em responsabilidade do proprietário do animal ofensor, vez que, diante da invasão e da provocação, imprevisíveis e inevitáveis, do animal provocador, nada poderia ser feito a respeito. A responsabilidade, sob esse prisma, passa a recair sobre o proprietário do chihuahua, que agiu imprudentemente ao deixar o pet fanfarrão perambular livremente em terreno alheio.
Já no âmbito do direito criminal esse tipo de questão é tratado pela Lei das Contravenções ou, conforme o caso, pelo Código Penal.
Segundo o Decreto-Lei nº 3.688/41, incorre em contravenção à incolumidade pública aquele que deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso. Tal conduta é apenada com prisão simples, de dez dias a dois meses, além de multa (cf. Decreto-Lei nº 3.688/41, art. 31).
Incorre também nessa mesma pena aquele que excita ou irrita animal, expondo a perigo a segurança alheia, ou, então, aquele que conduz animal, na via pública, pondo em perigo a segurança alheia (cf. Decreto-Lei nº 3.688/41, parágrafo único, alíneas “b” e “c”).
Havendo lesão ou mesmo morte da vítima, a questão passa a ser tratada pelo Código Penal, respondendo criminalmente o proprietário do animal pela exposição de pessoa a perigo direto e eminente (cf. CP, art. 132), ou, conforme a gravidade do caso, pela prática de lesão corporal ou, ainda, pela prática de homicídio culposo (cf. CP, arts. 129 e 121, §3º, respectivamente). Nessas hipóteses, o proprietário, ao olvidar as devidas cautelas e a guarda diligente do animal feroz, assume, com o seu comportamento omisso e reprovável, o risco de causar dano a terceiro — dolo eventual —, na forma indicada no artigo 18, inciso I, do Código Penal.
Enfim, se aquela doce e exemplar esposa, diante de uma gravidez inesperada, está pensando em se justificar perante o dócil e crédulo marido, culpando o boto-cor-de-rosa do vizinho por tal infortúnio, talvez essa não seja a melhor opção, vez que no ordenamento jurídico brasileiro os animais não são, em regra, considerados sujeitos de direito. Pensando bem, quem sabe se a melhor solução para essa adorável esposa não seja tentar a sorte lá no… Sudão?
José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
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