Introdução
No âmbito das locações residenciais, é comum deparar-se com proprietários insatisfeitos com a forma como seus imóveis estão sendo utilizados ou com os valores recebidos a título de aluguel. As razões são variadas, indo desde situações mais complexas — como aluguéis corroídos pela inflação, cujos reajustes não acompanham a dinâmica do mercado — até motivos triviais, como a frustração com o comportamento dos inquilinos.
Nesse contexto, não raro o locador, mesmo diante de contrato vigente e sem justo motivo, passa a cogitar a retomada do imóvel com o intuito de alugá-lo a terceiros em condições mais vantajosas. Surge, então, a indagação: pode o locador reaver o imóvel a qualquer tempo?
A Proteção Legal ao Inquilino
A resposta a essa questão é clara: não. A Lei nº 8.245/1991, conhecida como Lei do Inquilinato, excetuando-se a ocorrência de justa causa, veda expressamente a retomada imotivada do imóvel durante o prazo determinado do contrato. O artigo 4º dessa lei estabelece que o locador não poderá reaver o bem locado antes do termo final pactuado.
Essa vedação decorre da própria lógica contratual: a locação gera obrigações recíprocas, entre as quais se destaca o direito de uso e gozo do imóvel pelo inquilino, de forma temporária e segura, conforme previamente ajustado. Esse direito somente pode ser limitado nas hipóteses legais expressamente previstas.
Hipóteses Legais de Retomada Antecipada
O rol de situações que autorizam a retomada antecipada do imóvel encontra-se no artigo 9º da Lei do Inquilinato:
- Por mútuo acordo entre as partes;
- Em razão de inadimplemento do aluguel e/ou encargos;
- Por infração legal ou contratual por parte do locatário;
- Para reparações urgentes determinadas pelo Poder Público, que não possam ser realizadas com o imóvel ocupado.
Fora dessas hipóteses, a retomada antecipada é ilícita, mesmo que existam razões de ordem econômica ou conveniência pessoal para o locador.
O Término do Contrato e a Retomada Sem Justificativa
Nas locações ajustadas por escrito e com prazo igual ou superior a 30 meses, o locador, ao término do contrato, poderá optar por não renovar a locação, sem necessidade de justificativa (art. 46 da Lei nº 8.245/91). Nesses casos, a retomada é legítima, bastando a manifestação de vontade do locador.
Todavia, nas locações verbais ou com prazo inferior a 30 meses, o contrato se prorroga automaticamente por prazo indeterminado. Nessas hipóteses, a retomada dependerá do preenchimento de condições específicas, previstas no artigo 47, tais como:
- Necessidade de uso próprio pelo locador, cônjuge ou ascendente/descendente sem imóvel residencial disponível;
- Demolição para construção aprovada ou ampliação da área construída em pelo menos 20%;
- Obras estruturais que exijam desocupação;
- Quando a locação ultrapassar cinco anos ininterruptos.
O Dilema do Aluguel Defasado e a Tentação da Simulação
Apesar das previsões legais, surgem situações que geram frustração legítima ao locador. Imagine-se um contrato por prazo indeterminado, com valor do aluguel totalmente defasado em relação ao mercado. Pior: os mecanismos legais e contratuais de reajuste, previstos nos artigos 18 e 19 da Lei do Inquilinato, mostram-se ineficazes ou inadequados para reequilibrar a relação.
É justamente nesse tipo de cenário que o “gênio da lâmpada” parece sussurrar ao ouvido do locador inconformado soluções mirabolantes, levando-o a cogitar a retomada simulada para uso próprio com o intuito, na verdade, de alugar o imóvel posteriormente a terceiro em melhores condições financeiras.
A Simulação como Conduta Ilícita e Abusiva
Tal artifício é claramente ilícito. Além de afrontar a função social do contrato e a boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil), ele representa uma violação direta às normas de retomada legítima da Lei do Inquilinato.
Mais do que isso: a retomada simulada constitui conduta abusiva, conforme o art. 187 do Código Civil, e configura o crime previsto no art. 44, II, da própria Lei do Inquilinato.
Caso fique demonstrado que o imóvel foi retomado com falsa alegação de uso próprio, para posterior locação vantajosa, o locador responderá civil e criminalmente, sendo obrigado a indenizar o inquilino pelos danos materiais e morais causados (art. 927 do Código Civil).
Conclusão: A Importância de um Contrato Bem Estruturado
A melhor forma de evitar conflitos e frustrações é a elaboração de um contrato de locação bem estruturado, que preveja cláusulas de reajuste claras, indicadores econômicos adequados e mecanismos de revisão equilibrados.
A segurança jurídica de ambas as partes — locador e locatário — depende da observância das normas legais e da boa-fé contratual. A tentativa de contornar a lei por meio de subterfúgios pode resultar não apenas em sanções e consequentes perdas financeiras, mas também em grave comprometimento da credibilidade do locador perante o mercado.
José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL