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22 de maio de 2019 | Morad

A promessa de recompensa

promessa de recompensa
promessa de recompensa

Quem nunca fez uma promessa? Acreditem, elas são parte das nossas vidas e ocorrem com uma frequência espantosa, principalmente na virada de cada ano, onde uma gama variada de promessas são feitas em nome de uma vida melhor. Prometo emagrecer, dizem alguns! Prometo saldar minhas dívidas, dizem outros! Prometo estudar mais, dizem aqueles desolados candidatos que, apesar da abundância de faculdades e universidades, não foram aprovados no vestibular!

Mas, se promessa é dívida — como já bem dizia o seu pai e o pai do seu pai — o que acontece com elas quando não são cumpridas? E a resposta para isso é muito simples: depende! Isso mesmo! Depende do tipo da promessa e da respectiva significância no mundo jurídico.

Um pescador, por exemplo, ao descumprir uma promessa feita à Iemanjá na virada do ano, por meio da qual ele havia se comprometido a não colocar, por doze longos e intermináveis meses, nenhuma gota de álcool no organismo caso conseguisse fartura e abundância na respectiva empreitada, certamente deveria, por uma questão de prudência, se entender com tal orixá após comemorar a pesca de um enorme cardume de sardinhas com um saboroso rum capaz de causar inveja ao divertido personagem Jack Sparrow, afinal, nunca é bom se indispor com entidades divinas, principalmente as femininas, quaisquer que sejam elas. E só!

O mesmo não ocorre, contudo, com as promessas de recompensa, já que esse tipo promessa está no âmbito do direito das obrigações, mais especificamente no campo dos atos unilaterais, cujo descumprimento, por força da legislação que rege essa matéria (cf. Código Civil), tem relevância e enseja reflexos no mundo jurídico.

Mas, afinal, o que é uma promessa de recompensa? É aquela que nós vemos nos deliciosos spaghetti westerns, grafada em letras garrafais, dizendo: “wanted dead or alive, cash reward $ 100.000.000”? Sim! É algo em torno disso.

Mais especificamente, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro (cf. CC, art. 854), ocorre a promessa de recompensa quando uma determinada pessoa, por meio de anúncio público, compromete-se a recompensar ou gratificar aquele que preencher certa condição ou executar determinada tarefa. Um exemplo disso são os cartazes afixados em locais públicos ou anúncios publicados nos meios de comunicação contendo promessa de gratificação em dinheiro para quem encontrar e devolver animais de estimação.

Nessa toada, se a condição for satisfeita, ou melhor, se o perdido animalzinho de estimação do exemplo for encontrado e devolvido ao dono, poderá o respectivo benfeitor, se quiser, exigir a gratificação prometida, ainda que dela não tivesse inicialmente conhecimento ou interesse em recebe-la (cf. CC, art. 855).

Porém, se esse benfeitor, mesmo tendo satisfeito a condição consistente na localização e devolução do pobre animalzinho ao aflito dono, viesse a receber, em contrapartida, apenas um efusivo e emocionado “Deus lhe pague”, bem como um “santinho” contendo uma oração em louvor ao São Francisco de Assis, ele poderia exigir, nessa situação, em razão do comportamento omisso ou malicioso de quem prometeu, o cumprimento imediato e integral da respectiva promessa, já que aquele que promete recompensa, ao fazê-lo, contrai obrigação de cumprir o prometido! Aliás, é o que dispõe a legislação pertinente (cf. CC, art. 854). Simples assim!

Oportuno se faz ressaltar que a promessa de recompensa poderá ser revogada, desde que essa revogação seja manifestada com a mesma publicidade e seja realizada antes da conclusão da correspondente tarefa ou da respectiva condição. Tal possibilidade não se aplica às promessas de recompensa que tenham esse tipo de prazo previamente definido, já que, nessa hipótese, pressupõe-se renúncia quanto à faculdade de revogação (cf. CC, art. 856). É importante ressaltar, ainda, que o candidato de boa-fé, que porventura houver realizado despesas,  terá direito ao respectivo reembolso (cf. CC, art. 856,  §único).

Também é importante ressaltar que se o ato contemplado na promessa for executado por mais de um benfeitor, o primeiro que o executou é que terá direito à essa recompensa (CC, art. 857).

Até aí, tudo muito claro e tranquilo. Imagine, contudo, uma situação hipotética em que a neta do versátil jogador Ronaldo — não aquele que ostentava, no final da respectiva carreira futebolística, uma proeminente pança, tampouco aquele outro que teve o respectivo passaporte apreendido judicialmente, mas, sim, aquele valente atacante da academia de futebol, que marcou o gol do título do campeonato paulista de 1974 —, por engano, tenha colocado no lixo as chuteiras com as quais o querido avô disputou essa magnífica partida. E ela, desesperada com tal descuido e com o Código Civil debaixo do braço, tal qual um pregador da doutrina cristã nos cultos dominicais, resolva anunciar nos jornais de grande circulação um prêmio de R$ 100.000 — modesto, se levarmos em conta a grandiosidade e a importância histórica desses itens — para quem devolvê-las. Imagine, ainda, que o pé direito da chuteira tenha sido encontrado por um tal de Adão, carinhosamente — ou jocosamente, sei lá — apelidado de Adãozinho, e o pé esquerdo por um camarada chamado Tião, de modo a ensejar uma acalorada discussão quanto à gratificação prometida. E isso porque cada um deles queria receber para si a quantia integral de R$ 100.000. A consciente neta, contudo, após consultar a legislação pertinente e com ouvidos de mercador, os recompensa com R$ 50.000 para cada um, já que o Código Civil, naqueles casos em que a satisfação da condição é simultânea, determina que o pagamento da recompensa seja realizado aos beneficiários em iguais quinhões (cf. CC, art. 858).

Vamos imaginar, ainda, que a recompensa prometida no exemplo em questão não seja passível de divisão. Mais especificamente, vamos imaginar que a neta desse verdadeiro craque futebolístico, em vez de uma recompensa em dinheiro, tivesse prometido dar uma valiosa camisa alviverde de nº 7, devidamente autografada pelo vovô, para aquele que porventura achasse essas benditas chuteiras. E aí? Nesse caso a recompensa seria salomonicamente dividida ao meio? A frente da camisa para o Adão e o verso dela para o Tião? E a resposta para tal indagação é negativa, mesmo porque o célebre Salomão era um craque na divisão de outras coisas, mas não de camisas de futebol.  Nos casos em que o cumprimento da condição for simultâneo e a recompensa não for divisível, ela deverá ser sorteada e aquele que a obtiver deverá dar ao outro beneficiário o valor correspondente ao seu quinhão (cf. CC, art. 857).

Enfim, excetuando-se os políticos, para os quais o ato de “prometer e não dar faz o bobo alegrar”, as promessas, tal como os nossos pais já ressaltavam, representam mesmo verdadeiras dívidas, e devem, em razão disso, ser cumpridas, mesmo porque a legislação ordinária, mais especificamente o Código Civil, dispõe que aquele que as faz, obriga-se necessariamente a cumpri-las!

 

José Ricardo Armentano

Advogado no Escritório Morad Advocacia Empresarial

 

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