Mesmo não sendo uma novidade, eis um assunto que vem ganhando relevância nos dias atuais: o cohousing.
Mas, afinal, o que é esse tal de cohousing?
E a resposta para essa indagação é bem simples. Trata-se, em linhas gerais, de um modelo de moradia compartilhada e colaborativa, originário da Dinamarca em meados do século passado, consistente, basicamente, em um condomínio composto por um agrupamento de habitações em torno de um espaço comum, pensado e gerido pelo respectivo grupo de moradores.
Nesse modelo de moradia, o grupo planeja, constrói e promove a gestão das áreas privadas e das áreas comunitárias de acordo com as respectivas necessidades. Assim, é previamente planejado e definido pelo próprio grupo de moradores aquilo que será privado é aquilo que será compartilhado. Nesse caso, as áreas compartilhadas são planejadas e gerenciadas colaborativamente entre todos, com a intenção preponderante de promover e incentivar a interação, as afinidades, os vínculos afetivos e o auxílio mútuo entre os respectivos moradores.
Esse modelo de moradia, em razão dessas características e dos benefícios dele decorrentes, foi idealizado, inicialmente, para o público de idade madura, mas nada impede que seja utilizado para outros públicos, com interesses e afinidades comuns, tais como, por exemplo, um grupo de amigos veganos, um grupo de intelectuais nudistas, um grupo de aposentadas atrizes da produtora de vídeos Brasileirinhas etc.
Oportuno se faz esclarecer que essa modalidade de moradia difere do coliving. O cohousing trata de habitações edificadas em espaços compartilhados. Mais especificamente, cada morador tem a própria casa, mas compartilha espaços públicos, tais como jardim, área de lazer, dentre outros, com os demais moradores. O coliving, em vez disso, diz respeito à moradia sob um mesmo teto, ou seja, algo parecido com a tradicional república de estudantes. Nesse caso, cada morador tem um espaço individualizado, tal como um quarto, mas divide com os demais moradores espaços e recursos comuns, tais como cozinha, sala de estar, dentre outros.
Assim, nessa toada, é possível afirmar, de um modo simplista, que a estrutura jurídica do cohousing assemelha-se a um condomínio convencional ou até mesmo a uma associação de proprietários. Apesar disso, impõe-se ressaltar que o nosso ordenamento jurídico não dá tratamento específico a essa matéria, tanto no Código Civil quanto na legislação extravagante.
Diante de tal lacuna, o ajuste de um contrato, mais especificamente de um contrato de moradia compartilhada, é fundamental para se preservar tanto os interesses do grupo quanto os interesses individuais de seus integrantes, mesmo porque o Código Civil e a lei de condomínios, nessas circunstâncias, aplicam-se apenas de forma subsidiária à espécie.
É preciso ter em mente que o sucesso desse tipo de negócio demanda vocação para o convívio compartilhado. Além disso, todos devem ter basicamente os mesmos interesses e as mesmas afinidades — tais como, por exemplo, um grupo de idosos —, e isso deve ficar muito claro no respectivo contrato, já que diz respeito à essência desse tipo de negócio.
Ademais, esse contrato deverá ser claro e inequívoco quanto ao respectivo objeto, ou seja, o cohousing, para que, em caso de conflito, a vontade e a motivação das partes, existentes por ocasião da respectiva celebração, sejam necessariamente preservadas e invariavelmente interpretadas dessa forma.
É importante destacar que nessa modalidade de moradia não há propriamente um síndico, um gerente, tampouco um supervisor, já que todos, ao mesmo tempo, têm acesso e titularidade sobre o imóvel onde o cohousing está instituído. Daí a razão e a necessidade de serem ajustadas, por meio de um contrato de moradia compartilhada, regras claras de convivência, de segurança, de acesso de pessoas estranhas e de serviços domésticos, bem como condições de uso e de manutenção de áreas comuns, dentre outras.
Tais disposições, por representarem um verdadeiro estatuto de convivência, devem ser, em regra — até mesmo em razão da natureza do relacionamento pretendido —, previamente discutidas, deliberadas e definidas pela respectiva maioria. Com efeito, se a essência do cohousing está consubstanciada na coletividade, no compartilhamento, na conjugação de interesses comuns e no espírito colaborativo, a manifestação de vontade quanto ao respectivo regramento deve, de igual modo, ser coletiva, sob pena de desnaturação do próprio negócio pretendido.
Também é importante ressaltar sobre a impossibilidade de se estabelecer contratualmente disposições violadoras de direitos fundamentais ou de ordem pública, tais como aquelas que, por exemplo, proíbem o acesso do público LGBT ou, então, que estabeleçam modalidade de cohousing para simpatizantes do infame führer.
A esse respeito, oportuno se faz esclarecer que não há impedimento legal para o estabelecimento do cohousing dirigido para um público específico, pautado por interesses comuns, tais como, por exemplo, uma moradia especialmente destinada para idosos. Assim, é perfeitamente lícito instituir o cohousing com a restrição de moradia para pessoas com idade inferior a 60 anos. E isso porque a moradia compartilhada, nesse caso, é idealizada e projetada especialmente para tal finalidade, ou seja, um espaço específico adaptado às necessidades, às carências e aos interesses de pessoas idosas, de modo a privilegiar a interação pessoal e conferir segurança, dignidade e conforto a esse público especificamente. Não há, nesse caso, segregação, preconceito, tampouco violação da ordem pública.
Em se tratando de idosos, também é importante ressaltar que o cohousing, em regra, não foi idealizado nem é compatível para idosos que necessitam de acompanhamento médico intensivo e constante, tal como aquele provido por médicos, enfermeiros etc. O cohousing é, em sua essência, idealizado para aqueles que possuem autonomia, razão pela qual é muito importante que esse tipo de questão — extremamente sensível e delicada — seja bem delineada e adequadamente tratada no respectivo contrato de moradia compartilhada.
Outra questão importante envolvendo esse assunto diz respeito às regras de sucessão. Assim, para a manutenção da essência do cohousing, devem ser estabelecidas no respectivo contrato regras de sucessão, dispondo o que acontecerá em caso de morte do respectivo titular. Trata-se, aliás, de uma cautela de fácil compreensão. Basta imaginar, por exemplo, uma moradia compartilhada, projetada e idealizada especificamente para idosos, cujos herdeiros, todos jovens, não possuem vocação, tampouco vontade para a observância das regras de convivência estabelecidas para esse tipo de moradia. Nesse caso, é medida de bom alvitre a prévia estipulação de disposição acerca da obrigatoriedade da respectiva venda ou transferência a um terceiro compatível com as finalidades de uma moradia compartilhada, na hipótese de sucessão.
O cohousing, em uma época em que os avanços tecnológicos, além de conectar e aproximar as pessoas, vem fortalecendo cada vez mais a cultura do compartilhamento, tem se mostrado cada vez mais atual, já que é uma modalidade de moradia compartilhada extremamente vantajosa para quem tem vocação para a interação social e para a convivência em grupo, sem abrir mão, contudo, do conforto e da respectiva privacidade. Além de inclusiva e idealizada de acordo com os interesses do respectivo grupo de moradores, é extremamente vantajosa financeiramente, já que pressupõe, em sua essência, o compartilhamento, inclusive de despesas comuns.
Por se tratar de uma modalidade de moradia desprovida de tratamento específico por parte de legislação pertinente, deve, em razão disso, ser resguardada contratualmente por meio de um contrato de moradia compartilhada, mediante o estabelecimento de regramento claro e adequado, inclusive de convivência e sucessão, de molde a evitar transtornos e questionamentos jurídicos futuros para os respectivos moradores.
José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
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“DA UTILIZAÇÃO DE DCTFS COMO MEIO DE PROVA DE INATIVIDADE DE PESSOA JURÍDICA”