Eis aí uma questão delicada no âmbito das relações de trabalho: a exigência de vacinação do empregado.
Mas, afinal, a vacinação do empregado, em época de pandemia pelo covid-19 — onde a saúde e o interesse público devem prevalecer sobre os interesses individuais —, é uma necessidade ou uma obrigação? Mais especificamente, o empregador, no âmbito do poder diretivo que lhe é assegurado pela legislação trabalhista (cf. CLT, art. 2º), poderá exigir a vacinação de seus empregados?
Trata-se, à evidência, de assunto muito delicado, que deve ser tratado com cautela e ponderação, e cuja solução está condicionada à existência de legislação envolvendo todos os aspectos da vacina e da respectiva vacinação. Em relação a isso, não há no ordenamento jurídico, até o presente momento, norma determinada, independentemente de manifestação de vontade em sentido contrário, a obrigatoriedade de vacinação. É importante ressaltar que a Lei nº 13.979/20, que trata das medidas de saúde pública para o enfrentamento emergencial do surto de covid-19, inclui a vacinação como uma dessas medidas, contudo, desprovida de caráter forçado e de imprescindibilidade.
O Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar essa questão, manifestou o entendimento segundo o qual a “obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas.” Segundo essa corte, “vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes” (cf. STF; ADI 6586; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; j. 17/12/20).
Diante desse cenário, o empregador — que tem o dever de promover um ambiente de trabalho seguro — apenas poderá incentivar os seus empregados a tomar a vacina, já que ele não tem respaldo legal para obrigá-los a isso.
Convenhamos, se a legislação, de um lado, não confere ao empregador o direito de exigir de seus empregados a respectiva vacinação, essa mesma legislação, por outro lado, não obriga o empregador a manter em seu quadro de empregados um trabalhador descomprometido com a manutenção de um ambiente laboral seguro e saudável.
Assim, diante dessas circunstâncias, não há empecilhos de ordem legal para que o empregador promova, em nome de um ambiente de trabalho seguro e saudável, o rompimento do contrato de trabalho do empregado que agir de forma incompatível ou prejudicial a essa diretriz de saúde. Demais disso, não há que se falar, nesse caso, em discriminação, tampouco no batido bordão “meu corpo, minhas regras”. O dever de promover um ambiente de trabalho seguro e saudável para toda a coletividade de empregados prevalece sobre a faculdade e o interesse — e até mesmo sobre o direito — individual do empregado de repudiar eventual imunização contra o covid-19 (cf. CLT, art. 8º).
A dúvida que daí surge é se essa demissão poderá ser motivada por uma justa causa, com o consequente comprometimento das verbas rescisórias, ou imotivada, isto é, sem justa causa, mediante o pagamento de todas as respectivas verbas rescisórias?
De um lado, há o entendimento de que a recusa de vacinação, fundamentada por convicções pessoais, ideológicas, religiosas ou até mesmo filosóficas, é, nas circunstâncias apontadas, motivo para justificar a demissão do empregado por justa causa (cf. CLT 158, II, § único; e 482, “h”), já que esse tipo de conduta, além de violar o poder diretivo do empregador, constitui obstáculo intransponível ao dever que lhe cabe quanto à manutenção de um ambiente saudável e seguro, de modo a colocar em risco a saúde e a segurança de todos os demais trabalhadores envolvidos nessa situação (cf. CLT, art. 2º e 8º). Contrário a esse posicionamento rigoroso, há o entendimento de que o empregado, diante das garantias e liberdades asseguradas pela Constituição Federal (cf. CF, art. 5º, II, VI, VIII e X), somente poderá ser demitido sem justa causa, mediante o pagamento das respectivas verbas rescisórias.
No confronto desses entendimentos, este último parece ser o mais razoável e, de igual modo, o mais recomendável, já que não há no ordenamento jurídico, conforme salientado anteriormente, comando normativo dispondo sobre a obrigatoriedade de vacinação, independentemente de manifestação de vontade em sentido contrário.
José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
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