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18 de março de 2021 | Morad

AS REDES SOCIAIS E A MORTE DE SEUS USUÁRIOS

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As redes sociais, sem dúvida nenhuma, ocupam um lugar de destaque na vida das pessoas e no convívio em sociedade, já que rompem barreiras, conectam e aproximam pessoas de todos os tipos, interesses, idades, gêneros e classes sociais. Aliás, o estrondoso sucesso e a popularidade ciclópica do Youtube, Twitter, Whatsapp, Linkedin, Instagram, Facebook, dentre tantas outras, são uma prova cabal disso.

Com efeito, as redes sociais são verdadeiras extensões virtuais da vida e do pensamento de seus usuários, que delas se utilizam para manter contato com pessoas, expressar ideias e compartilhar suas vidas e interesses. E até aí, como bem diria a humorada banda carioca de rock Blitz, “tá tudo muito bom, tá tudo muito bem”.

Mas o que acontece quando o usuário morre? Eis aí uma questão extremamente relevante nos dias atuais.

De acordo com a legislação pertinente, a personalidade termina com a morte. Apesar disso, ou seja, mesmo diante do evento morte, o legislador teve por bem tutelar a memória e resguardar a dignidade daquele que não mais está presente entre os vivos. Segundo o artigo 20 do Código Civil:

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”

Aliás, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por intermédio da respectiva 31ª Câmara de Direito Privado, analisou recentemente matéria envolvendo essa questão. Mais especificamente, uma mãe, inconformada com a repentina e injustificada — sob a óptica dela — exclusão do perfil da sua falecida filha no facebook, buscou auxílio perante o Poder Judiciário, para a obtenção de acesso aos dados e às respectivas informações apagadas, bem como para a reparação de danos de ordem moral daí decorrentes.

Segundo essa mãe, o perfil em questão, além de um eficiente lenitivo ao seu sofrimento, era também utilizado como meio de recordação de fatos e de interação com familiares e amigos comuns.
Essa ilustre câmara julgadora, ao tratar dessa questão, rejeitou tal pretensão, ponderando, com propriedade que:

“Não se ignora a dor da autora [mãe] frente à tragédia que se instaurou perante a sua família, e que talvez seja a mais sensibilizante das mazelas humanas. Tampouco a necessidade de procurar conforto em qualquer registro que resgate a memória da sua filha.
No entanto, não há como imputar à apelada [facebook] responsabilidade pelos abalos morais decorrentes da exclusão dos registros, já que decorreram de manifestação de vontade exarada em vida pela usuária [filha], ao aderir aos Termos de Serviço da apelada, os quais, de um modo ou de outro, previam expressamente a impossibilidade de acesso ilimitado do conteúdo após o óbito.” (cf. TJ-SP; Apelação Cível nº 1119688-66.2019.8.26.0100; 31ª Câm. Direito Privado; Rel. Des. Francisco Casconi; j. 09/03/21).

No caso em questão, não havia autorização da falecida filha para que fotos, álbuns digitais, conversas, enfim, informações da sua vida privada fossem divulgadas ou compartilhadas após a sua morte, seja com amigos, com pessoas próximas ou com herdeiros e pessoas abrangidas pela respectiva linha sucessória.

Nessa toada, é possível afirmar, de uma forma bem simplista e genérica, que tudo aquilo que tem efeito patrimonial, ou seja, tudo aquilo que tem valor econômico é passível de transmissão aos respectivos herdeiros, tal como, por exemplo, uma obra de valor literário em meio digital ainda não publicada.

Porém, o mesmo não ocorre com aquilo que diz respeito à privacidade daquele que morreu, cuja revelação ou divulgação — excetuando-se as hipóteses envolvendo interesse e necessidade da administração da justiça ou da manutenção da ordem pública — dependem exclusivamente da respectiva vontade, ou seja, dependem de autorização nesse sentido.

Assim, a transmissibilidade do acervo digital de quem morre, de acordo com o nosso ordenamento jurídico e, também, em conformidade com o entendimento dos nossos tribunais, não é uma regra, mas, em vez disso, é uma exceção, já que depende de autorização expressa nesse sentido.

E foi justamente na esteira desse entendimento que a mencionada 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se manifestou ao negar, por unanimidade de votos, provimento ao apelo da inconsolável mãe que buscava acesso à memória digital da sua querida filha falecida.

Recomenda-se, assim, cuidado especial em relação aos assuntos envolvendo esse tipo de matéria, em especial com as questões relativas ao acervo e à memória digital, que poderão ser preservados, revelados e divulgados — ou não —, de acordo com a vontade de seus titulares, bastando, para tanto, a adequada configuração das respectivas redes sociais nesse sentido ou, então, conforme o caso, a manifestação expressa ou disposição de última vontade a respeito disso.

José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL

 

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