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29 de maio de 2024 | Morad

ENTENDA O PAPEL DAS DAV, AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE DO PACIENTE MÉDICO

ENTENDA O PAPEL DAS DAV, AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE DO PACIENTE MÉDICO

Surgidas na América do Norte, mais especificamente nos Estados Unidos (EUA) nos idos de 1967, são uma forma de expressão de autonomia e dignidade daqueles em estado de saúde  irreversível

Imagine uma situação em que um paciente, hospitalizado e gravemente enfermo, consciente sobre o seu estado de saúde e sobre as perspectivas de seu tratamento, esteja extremamente preocupado com o comportamento emocional dos entes queridos que o cercam nesse delicado quadro. É justamente nesse cenário que entra a diretiva antecipada de vontade — DAV.

Diante de tal cenário, o paciente estará provavelmente ainda mais aflito com as decisões que, seus entes dominados pela emoção tomarão quando ele estiver incapacitado e não puder expressar a sua vontade de forma livre e autônoma, do que propriamente com a sua recuperação; além da preocupação com a enfermidade em si.

As DAV, como forma de expressão de autonomia e de vontade do paciente, surgiram na América do Norte, mais especificamente nos Estados Unidos (EUA), nos idos de 1967, quando passou a ser defendida a possibilidade do próprio paciente manifestar-se sobre o término da sua vida, de forma prévia e expressa, nos casos em que há constatação de irreversibilidade de um quadro clínico incapacitante.

De modo geral, podemos dizer que uma diretiva antecipada de vontade nada mais é do que uma manifestação unilateral e escrita, por meio da qual o declarante, maior e capaz, manifesta antecipadamente a sua vontade; de forma consciente, autônoma e esclarecida, a respeito dos cuidados e tratamentos de saúde que deseja ou não receber. Isto é, caso se encontre, independentemente do motivo ou razão, incapaz de manifestar a respectiva vontade de forma livre e autônoma.

Vale dizer que as DAV são uma forma que uma pessoa tem de documentar os seus desejos, isto é, de manifestar previamente a sua vontade quanto aos cuidados médicos e tratamentos que deseja receber quando não mais puder fazer isso de modo consciente. Nessa toada, é possível inferir que esse tipo de medida tem por finalidade primordial facilitar o entendimento da equipe hospitalar sobre a vontade do paciente, em especial sobre aquilo que ele deseja e o quê não quer na ocasião em que estiver incapacitado de manifestar, de forma livre e autônoma, a sua própria vontade.

Além disso, é importante ressaltar que o paciente, por meio do Mandato Duradouro*, um tipo de documento tido como um desdobramento das DAV, poderá, inclusive, nomear um procurador para tomar essas decisões em caso de incapacidade, o mandatário poderá indicar escolhas, tanto no âmbito ordinário quanto empresarial.

Sobre essa questão, é de se indagar: e quando houver divergência de entendimento entre o procurador e os parentes ou cônjuge do paciente? Bem, nesse caso, prevalece a manifestação do procurador, cabendo ao Poder Judiciário dirimir a respectiva questão em caso de conflito. Ainda sobre esse tema, se faz importante destacar que há juristas que defendem o entendimento segundo o qual as DAV é gênero do qual o testamento vital é espécie. Para esses estudiosos do Direito, embora apresentem conceitos deveras semelhantes, as DAV e o testamento vital têm entre si algumas diferenças relevantes.

A formalização das DAV deve ser realizada por meio de uma escritura pública lavrada perante um tabelião, com o objetivo de garantir que os desejos do paciente sejam observados enquanto ele estiver vivo, mas incapaz de tomar qualquer tipo de decisão.

Por meio dela é possível, inclusive, nomear um representante para tomar decisões conforme as diretrizes previamente fixadas pelo mencionado paciente. Já o testamento vital é um documento redigido pelo próprio paciente e tem por foco possibilitar a prévia manifestação da vontade dele em relação ao tratamento que deseja receber, caso não possa se manifestar ou tomar decisões por si só a respeito disso. Pela análise desse tema, é possível concluir que, excetuando-se a formalidade cartorária existente entre ambos, não há diferença fundamental capaz de ensejar uma flagrante separação entre a DAV e o testamento vital.

É importante destacar, também, que não há no ordenamento jurídico previsão legal a respeito dessa matéria. Há apenas iniciativas legislativas em andamento, tais como: o PL nº 352/2019 (Alexandre Padilha – PT/SP), foi apensado ao PL nº 3002/2008 e encontra-se, atualmente, em trâmite perante a Câmara dos Deputados; o PL nº 2460/2022 (Deputada Luísa Canziani – PSD/PR) e o PL nº 5.559/2016 (Deputado Pepe Vargas – PT/RS), os quais encontram-se aguardando apreciação pelo Senado Federal; e o PLS nº 493/2020 (Senador Rogério Carvalho – PT/SE), o qual dispõe sobre o Estatuto dos Pacientes e que se encontra, atualmente, em trâmite no Senado Federal.

No âmbito infralegal, contudo, essa matéria é tratada por meio da Resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que além de dispor especificamente sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes, as define como “o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. Confira a íntegra da Resolução do CFM sobre o tema aqui.

Ressalto, por fim, que as DAV, em razão de se constituírem essencialmente em um meio de expressão de liberdade, intimidade e dignidade, se prestam também para outras finalidades além daquelas inerentes aos cuidados e ao tratamento médico daquele que não possa manifestar a sua vontade de forma livre e autônoma. Mais especificamente, a medida comporta, de igual modo, outros tipos de manifestação de vontade, tais como o local onde o paciente terminal deseja morrer — por exemplo, no hospital, em casa etc. —, ou, ainda, sobre a realização de serviço religioso ou até mesmo a indicação das pessoas que ele deseja em seu velório.

Enfim, o recurso constitui importante função destinada a garantir a dignidade humana daquele que, em situação de saúde grave e incapacitante, já não tem, por si só, condições para tomar decisões autonomamente.

José Ricardo Armentano é advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL.

Edição: Dora Scobar