Uma das questões mais traumáticas no âmbito da representação comercial é, sem dívida nenhuma, o rompimento imotivado do respectivo contrato por iniciativa do representado.
Imagine, por exemplo, um representante comercial que, por anos a fio, intermedia a venda de produtos de um fabricante de acessórios automotivos. Imagine, ainda, que apesar dele executar bem o seu mister, recebe, lá pelas tantas, a notícia de que esse fabricante deseja romper imotivadamente o contrato de representação comercial existente entre ambos. E, para piorar ainda mais a situação, ele descobre que o sobrinho recém-formado desse fabricante — que o considera uma prodigiosa encarnação do célebre guru de vendas Og Mandino — passará a exercer, em seu lugar, a atividade de representante comercial.
Imagine, ainda, um fabricante cuja força de vendas é insuficiente para atender, de forma plena, o respectivo mercado. Imagine, também, que para sanar essa deficiência, tal fabricante vem se valendo, há décadas, de um representante comercial, cuja atuação e resultados, já há um bom tempo, vêm sendo considerados muito insatisfatórios e aquém do potencial apresentado pelo respectivo mercado. E, para remediar tal situação e até mesmo para injetar sangue novo em suas operações mercantis, ele resolve romper imotivadamente o contrato, mesmo porque não possui elementos probatórios consistentes para a caracterização de uma justa causa.
Convenhamos, essas são situações bem indigestas, principalmente quando envolvem antigos e longos contratos de representação comercial, vez que o rompimento imotivado, em casos assim, impõe aos representados, na condição de contratantes, o dever de suportar o pagamento de rigorosas verbas indenizatórias.
A legislação que rege essa matéria, isto é, a Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965, estabelece em seu artigo 27, alínea “j”, a obrigação de pagar ao representante comercial, no caso de rompimento contratual sem justa causa, uma indenização equivalente a 1/12 do total da retribuição por ele auferida durante o tempo em que exerceu a representação. E quando a legislação fala em “retribuição auferida”, isso não significa apenas e tão somente as comissões efetivamente recebidas pelo representante comercial ao longo da relação contratual, mas, em vez disso, também abrange todas as verbas por ele recebidas em razão da respectiva atividade, tais como prêmios, bonificações por atingimento de quotas etc.
Essa sistemática indenizatória, sob a óptica do representante comercial, além de ser uma justa compensação pelos esforços por ele empreendidos ao longo da representação — não apenas para expandir os negócios do representado e aumentar a respectiva clientela, mas, também, para promover produtos e consolidar uma posição no mercado —, é, também, uma forma de reparação por um rompimento abrupto, abusivo e sem motivo do contrato de representação comercial.
Já na visão do representado essa indenização, além de excessiva e desproporcional, inviabiliza o rompimento imotivado do contrato de representação comercial com longa duração. Aliás, tais reclamos são de fácil compreensão, principalmente se for levado em conta que a base de cálculo dessa indenização abrange a integralidade dos montantes recebidos pelo representante comercial ao longo da relação contratual. Sob a perspectiva do representado, com o passar do tempo, ele se torna um refém do representante comercial, vez que é praticamente impossível o rompimento sem justa causa de um contrato longevo, por conta da onerosidade da indenização prevista pela legislação vigente.
Com efeito, a previsão legal de uma verba indenizatória para a hipótese de rompimento contratual sem justa causa, além dos motivos já mencionados pelo próprio representante comercial, é também uma importante garantia a ele conferida para que o respectivo contrato não seja rompido abruptamente e ao bel prazer do representado, tal como no exemplo anteriormente mencionado do prodigioso sobrinho. Porém, é forçoso reconhecer que a forma como esse assunto está tratado na legislação pertinente também impõe ao representado, quando se trata de um contrato longevo, uma condição extremamente desfavorável e desproporcionalmente onerosa caso ele queira romper, independentemente de motivação, o contrato que celebrou com o representante.
Não é à toa que esse panorama tem gerado insegurança jurídica para ambas as partes contratantes e, principalmente, uma grande insatisfação por parte daquele que utiliza o representante comercial para intermediar as respectivas operações mercantis, a ponto de ensejar, inclusive, várias iniciativas perante a Câmara dos Deputados Federais para alteração da legislação pertinente, tais como a audiência pública realizada em 27 de junho de 2019 na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados Federais com vários setores produtivos da nossa economia, onde foram discutidas mudanças na legislação que regula a atividade dos representantes comerciais, dentre as quais se destacaram a atenuação da regra indenizatória para contratos rompidos sem justa causa, bem como a adoção da mesma sistemática prescricional prevista na legislação trabalhista para o exercício do direito de se pleitear judicialmente verbas rescisórias, dentre outras.
Em razão dessa audiência pública, foi apresentado em 30 de outubro de 2019, pelo Deputado Alexis Fonteyne (NOVO/SP), mais um projeto de lei, ou seja, o Projeto de Lei 5.761/2019, com a finalidade de dar nova disposição à sistemática indenizatória instituída pela Lei 4.886/65 para o rompimento do contrato de representação comercial.
De acordo com o mencionado projeto de lei, o cálculo da indenização passaria a ser limitado aos últimos dez (10) anos em que a representação comercial foi exercida.
Caso o mencionado projeto de lei venha a prosperar nesse sentido, tal modificação encerrará, de vez, a discussão fomentada pelos representados, de que o prazo prescricional de cinco (5) anos previsto na legislação pertinente — para a propositura de ação do representante comercial para pleitear a retribuição que lhe é devida e os demais direitos que lhe são legalmente garantidos — deveria ser aplicado como fator de limitação temporal para a formação da base de cálculo da verba indenizatória decorrente do rompimento contratual sem justa causa (cf. Lei 4.886/65, art. 44, parágrafo único). De acordo com esse entendimento, a multa indenizatória de 1/12 decorrente do rompimento imotivado de um contrato de representação comercial que estava em vigor por mais de trinta (30) anos, por exemplo, deveria ser calculada com base nos montantes auferidos pelo representante apenas nos últimos cinco (5) anos — e não durante todo o período em que vigorou o respectivo contrato.
Impõe-se destacar que esse entendimento, contudo, não tem logrado êxito perante o Poder Judiciário. O próprio STJ, ao se manifestar a respeito, vem consolidando o entendimento de que esse prazo prescricional só atinge o direito de ação e não tem qualquer influência no cálculo da mencionada verba indenizatória de 1/12, que deve levar em conta as verbas auferidas pelo representante durante toda a relação contratual. A Ministra Nancy Andrigui, da Terceira Turma dessa corte superior, ao julgar caso análogo, foi categórica: “essa regra prescricional não interfere na forma de cálculo da indenização estipulada no art. 27, ‘j’, da Lei 4.886/65”. Segundo a mencionada ministra, “a base de cálculo da indenização para rescisão injustificada permanece a mesma, qual seja, a integralidade da retribuição auferida durante o tempo em que a recorrente exerceu a representação comercial em nome da recorrida” (cf. STJ, REsp. 1469119/MG; Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 23/05/2017).
Outra questão abordada pelo Projeto de Lei 5.761/2019 diz respeito à possibilidade de adiantamento do pagamento dessa verba indenizatória no curso da representação comercial. Trata-se, aliás, de uma questão polêmica em nossos tribunais. Se de um lado alguns tribunais entendem tratar-se de uma prática válida, na medida em que esse adiantamento representa um verdadeiro “benefício ao representante, que ganha a opção de investir os importes relativos à indenização antecipada ou utiliza-lo para favorecer o seu fluxo de caixa” (cf. TJ-BA, Apelação 0042711-61.2007.8.05.0001), outros, em sentido contrário, entendem que isso se trata de uma prática ilegal, contrária aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato (cf. TJ-RS, Apelação 70078128154).
Assim, caso esse novo projeto de lei seja aprovado, os anseios dos representados seriam atendidos e as divergências a respeito desse assunto seriam dirimidas satisfatoriamente. E a razão disso é de fácil percepção, já que passaria a ser facultado aos representados o direito de pagar anualmente, de forma destacada em recibo, um adicional equivalente a 1/12 avos do total das comissões auferidas no período pelo representante comercial, a título de antecipação de quitação prevista na alínea “j” do artigo 27 da lei de representação comercial, inclusive com a possibilidade de consigná-lo judicialmente em caso de eventual recusa.
De outra feita, é digna de destaque a proposta contida nesse novo projeto de lei, consistente na indicação expressa de um índice de correção monetária para preservação dos valores que compõe a base de cálculo da verba indenizatória. De acordo com esse projeto de lei, os valores previstos na mencionada alínea “j” do artigo 37 e no artigo 34, passariam a ser corrigidos com base na variação mensal do IPC-A ou por outro índice que venha porventura a substituí-lo. Aliás, essa proposta, de certa forma, reverbera o entendimento já consolidado em nossos tribunais sobre o tema (cf. STJ, Terceira Turma, Ag 270.077; Rel. Min. Eduardo Ribeiro; j. 15/05/2000). A esse respeito, oportuno se faz destacar as ponderações da 2ª Turma Cível do TJ-DF, segundo a qual “a soma dos valores nominais das comissões, sem a aplicação da correção mensal, implica desconsiderar a perda do valor da moeda durante todo o período de vigência contratual — no caso, dez anos. Dessa maneira, a fim de preservar o valor da indenização legalmente estabelecido, há de se proceder a atualização do valor das comissões mensais em separado para, então, se proceder à soma e divisão por 12” (cf. TJ-DFT, processo 0003518-10.2016.8.07.0020 / 20161610059272APC; Rel. Des. Carmelita Brasil; j. 31/05/17).
É possível concluir, de um modo geral, que esse projeto de lei apenas expõe a dificuldade — para não dizer incapacidade — de uma grande parcela de representados em se adequar às exigências e aos rigores da legislação em vigor. Isso fica claro na medida em que um empreendimento estruturado, capaz de medir o potencial do mercado de atuação, capaz de constatar as respectivas carências e oportunidades, e, principalmente, capaz de medir com assertividade o desempenho de seu representante comercial, jamais seria refém desse tipo de questão. O rompimento do contrato de representação comercial, nesse caso, não seria considerado um problema, mas, em vez disso, apenas uma decisão estratégica, ainda que a verba indenizatória envolvida fosse de grande proporção. E a razão disso é bem simples: se o desempenho do representante comercial porventura fosse aquém daquilo que dele era esperado ou do potencial apresentado pelo respectivo mercado, o contrato poderia simples e facilmente ser rompido de forma motivada, ou seja, com justa causa, de forma fundamentada (cf. Lei 4.886/65, artigo 35), sem que isso acarretasse a obrigação de suportar o pagamento da verba indenizatória prevista na lei da representação comercial. E se o desempenho fosse satisfatório, razão não haveria para se romper uma relação contratual benéfica e profícua para ambos os contratantes.
Esse panorama, infelizmente, não reflete a grande maioria dos empreendimentos, que sequer consegue amealhar conjunto probatório capaz de demonstrar com clareza uma situação de justa causa. Nessa hipótese, o representado, no mais das vezes, rompe imotivadamente o contrato e tenta discutir na justiça nuances contratuais e teses engenhosas para eximir ou, na pior das hipóteses, atenuar o pagamento das consequentes verbas indenizatórias.
Diante desse cenário, o Projeto de Lei 5.761/2019 é bem-vindo e até mesmo necessário, vez que, além de dirimir e regular questões conflituosas da representação comercial, aumenta a segurança jurídica para esse tipo de operação e dá tratamento equilibrado e satisfatório à hipótese de rompimento contratual imotivado.
José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
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