Se para Edmund Burke, filósofo e parlamentar irlandês, “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”, para o ilustre ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, “o Brasil deve contar com memória, considerados os fatos positivos e negativos”, devendo ser observado o direito de informar as novas gerações.
Na visão desse ilustre ministro, ao participar do julgamento do Recurso Extraordinário de nº 1.010.606, realizado pelo Supremo Tribunal Federal, que tratou do “direito ao esquecimento”, “não cabe simplesmente passar a borracha e partir-se para um verdadeiro obscurantismo, um verdadeiro retrocesso em termos democráticos.”
Com efeito, essa foi a tônica do julgamento em questão. A mencionada corte suprema, além de não reconhecer o “direito ao esquecimento” — assim considerado como o direito do indivíduo, alicerçado nos princípios da dignidade humana, inviolabilidade da vida privada e inviolabilidade da privacidade, de não ser lembrado de situações e episódios ocorridos no passado, de caráter doloroso ou constrangedor, mesmo que eles sejam verídicos —, também fixou a tese de repercussão geral, que doravante passará a orientar as decisões do Poder Judiciário a respeito dessa matéria, segundo a qual é incompatível com a Constituição a ideia de um direito nesses moldes.
De acordo com a tese de repercussão geral fixada em sessão plenária pelo Supremo Tribunal Federal:
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível.”
Um dos pontos cruciais deste julgamento foi justamente o conflito existente, de um lado, entre a dignidade humana, a privacidade e a inviolabilidade da vida privada, e, de outro lado, entre as liberdades de expressão e de acesso à informação.
O Supremo Tribunal Federal, ao tratar dessa questão, manifestou o entendimento segundo o qual o “direito ao esquecimento” não está previsto no ordenamento jurídico pátrio. Mas não foi só isso. Segundo essa corte suprema, reconhecer o “direito ao esquecimento” seria o mesmo que violar as liberdades de expressão e de acesso à informação, expressamente protegidas pelo texto constitucional.
Segundo o ilustre ministro Alexandre Moraes, que participou desse julgamento, “não existe permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão”. Além disso, na visão dele, inexiste permissão para limitar preventivamente conteúdo do debate público em razão do efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. Isso é censura prévia”.
Para a ilustre ministra Weber, que também participou do mencionado julgamento, “Além de inconstitucional, a exacerbação do direito ao esquecimento é exemplo do tipo de mentalidade, que revestida de verniz jurídico, direta ou indiretamente contribui para, no longo prazo, manter um país culturalmente pobre, a sociedade moralmente imatura e a nação economicamente subdesenvolvida”. Segundo a ilustre ministra, “No estado de direito, a liberdade de expressão é a regra. Mostra-se incompatível com o estado de direito a imposição de restrições às liberdades de manifestação do pensamento, expressão, informação e imprensa que traduzam censura prévia”.
É importante ressaltar que a liberdade, seja ela de expressão ou de informação, consagrada pela corte suprema no mencionado julgamento, não é ilimitada! E é justamente aí que o Poder Judiciário passa a ter papel fundamental no tratamento do delicado conflito existente entre o direito à privacidade e o direito ao exercício da liberdade de expressão e de informação, já que caberá a ele coibir excessos nessa questão.
Aliás, é o que se depreende da mencionada tese repercussão fixada pela corte suprema, segundo a qual eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação deverão ser analisados pontualmente, caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente aqueles relativos à proteção da honra, da imagem e da privacidade.
Tal questão, aliás, não é de difícil visualização. Imagine, por exemplo, uma mulher que, em decorrência dos excessos e das inconsequências da juventude, tenha sido condenada por crime envolvendo drogas. Imagine, ainda, que ela, tendo cumprido a respectiva pena e pago, consequentemente, a sua dívida com a sociedade, tenha, a partir daí, se esmerado nos estudos, se empenhado e prosperado no trabalho digno, e constituído, inclusive, família, tornando-se mãe zelosa e avó exemplar. Não é difícil perceber o quanto a exposição — abusiva — desses fatos, irrelevantes e desprovidos de interesse público, décadas depois, poderá ser potencialmente dolorosa e constrangedora para essa mulher perante a respectiva família e o meio social no qual ela convive.
Assim, na esteira da tese de repercussão geral fixada pelo Supremo Tribunal Federal, caberá ao à Judiciário, com discernimento e sabedoria, dar tratamento adequado ao delicado e espinhoso conflito entre os direitos que protegem a honra, a imagem, a privacidade e a dignidade humana, de um lado, e os direitos consagrados pelo texto constitucional que assegura a liberdade de expressão e de informação, de outro, coibindo, com razoabilidade e firmeza, na forma da lei, os excessos porventura decorrentes desse tipo de questão.
José Ricardo Armentano / advogado na MORAD ADVOCACIA EMPRESARIAL
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“DA UTILIZAÇÃO DE DCTFS COMO MEIO DE PROVA DE INATIVIDADE DE PESSOA JURÍDICA”